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Informação contra a mentira

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Atento ao imensurável efeito das notícias falsas, o CFA tem debatido o tema enfaticamente. Em sua última ação, a autarquia contou com o apoio da Embaixada francesa para clarificar ainda mais o assunto

As fakenews têm sido tema de debate em diversas localidades e nichos profissionais, pois afetam marcas, pessoas e instituições, além de fragilizarem e desestabilizarem os laços criados com o público. Preocupado em entender esses impactos na Administração Pública brasileira, o Conselho Federal de Administração (CFA) tem discutido o tema com frequência em seus meios de comunicação e fomentado debates com especialistas.

“Nós sentimos na pele, nos últimos meses, o quão grave é essa realidade que avança no mundo corporativo, em vários vieses da Administração Pública no Brasil”, comentou o diretor da Câmara de Gestão Pública do CFA, Tom Zé Albuquerque, em evento sobre fakenews na sede do Conselho, realizado em novembro, em parceria com a Embaixada da França.

Segundo o presidente do CFA, Wagner Siqueira, os pesquisadores franceses têm um ponto de vista importante para o Brasil. “Por muito tempo focamos na experiência estadunidense. O Estado francês é muito mais parecido com o nosso do que os Estados Unidos. Por isso, trouxemos especialistasda França para debater sobre o assunto”, argumentou Siqueira.

Com pesquisas que mensuram os efeitos das notícias falsas, os franceses Dominique Cardon, professor da Universidade de Paris Est, e Patrick Le Bihan, PhD em Ciências Políticas pela Universidade de Nova Iorque, argumentaram que as fakenews assumem circulação maior quando a população começa a comentá-las. “Não quero dizer que as fakenews não têm importância, não quero diminuir as inquietações dos pesquisadores, mas fico me perguntando se não estamos dando poder excessivo às novas mídias”, disse Cardon durante o evento promovido pelo CFA.

Cardon destacou ainda que a maioria das pessoas se expõe, na internet, a conteúdos que confirmam argumentos e ideias nos quais elas já acreditavam anteriormente. Ao citar um exemplo para esse contexto, Dominique lembrou o caso da eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. “Não sabemos se o eleitor de Trump já acreditava nas fakenews e por isso votou, ou se ele foi convencido por elas. É a mesma história do ovo e da galinha”, explicou.

Falando sobre o efeito das notícias falsas em períodos de eleição, Patrick Le Bihan acrescentou que os eleitores estão cada vez mais vulneráveis a elas. De acordo com o pesquisador, durante as disputas políticas mais acaloradas – como a ocorrida aqui no Brasil no último pleito –, as pessoas se tornam menos racionais e mais emotivas. Somando isso ao desgaste causado pela corrupção, os sufragistas acabam por considerar que todos os candidatos são corruptos. Le Bihan afirma ainda que o nível de escolaridade dos cidadãos não influencia diretamente no compartilhamento das informações falsas.

O jornalista britânico Matthew d’Ancona, repórter do The Guardian, reforça essa linha de pensamento em seu livro “Pós-verdade, a nova guerra contra os fatos em tempos de Fake News”. De acordo com ele, a novidade não é a desonestidade dos políticos, pois a mentira é parte integrante da política desde que os primeiros seres humanos se organizavam em tribos. “A novidade é a resposta do público a isso. A indignação deu lugar à indiferença e, por fim, à conivência”, comentou o jornalista, em sua publicação lançada no primeiro semestre de 2018.

De acordo com d’Ancona, foi baseado em argumentos como “Quem se importa com os fatos?” que Donald Trump fez a sua campanha em 2016 e se tornou o 45° presidente americano.

O autor britânico explica que as pesquisas de opinião realizadas em 2016 mostraram que os norte-americanos estavam perfeitamente conscientes de que Trump não era um candidato simpático e tinha suas falhas. No entanto, o presidenciável passou para eles uma empatia enraizada não em estatísticas, informações ou dados verificáveis, mas em apelos emotivos de fácil identificação. Para a população, o significado foi: “esse candidato é diferente e talvez atenda meus anseios”.

“Hoje, o cidadão, massacrado por tantas informações – muitas vezes, contraditórias –, tem desistido de tentar discernir o que é verdade e aceita, entre tantas versões, aquela que lhe traz segurança emocional”, analisa o repórter do periódico inglês.

E é nesse contexto – dos apelos à emoção e das crenças e ideologias terem mais influência na opinião pública do que os fatos objetivos – que nasceu o que os especialistas têm chamado de era da post-truth (pós-verdade, em português). A palavra está tão em voga que o dicionário britânico Oxford a elegeu como de maior destaque na língua inglesa em 2016.

A pós-verdade não é, portanto, o culto à mentira, mas a indiferença com a veracidade dos fatos. Tanto faz se os acontecimentos podem ou não existir, se ocorrem ou não da forma divulgada, pois nada disso afeta preferências já consolidadas e o julgamento das pessoas.

É como o personagem Chicó, escrito em 1955 por Ariano Suassuna em o Auto da Compadecida. O sertanejo contava histórias sem coerência, de forma absolutamente imaginosa e, quando lhe perguntavam como aquilo era possível, ele respondia, rotineiramente: “Não sei, só sei que foi assim”. Portanto, mais pós-verdade do que as respostas de Chicó, impossível, não é? O que diria o paraibano Ariano Suassuna se soubesse que a sua criação está mais atual do que nunca?

Estratégias para derrotar as fakenews

Cardon e Le Bihan concordam que a criminalização das fakenews não é vista com bons olhos pela academia. De acordo com os franceses, criminalizá-las é uma atitude perigosa que pode afetar a liberdade de expressão devido a linha tênue entre o que é verdadeiro e falso. Além disso, a medida seria contraproducente, graças à dramaticidade e velocidade de disseminação atreladas às notícias falsas. “Com o argumento de que está sendo impedido de falar, o sistema das fakenews pode ser fortalecido com a propagação de mais fatos inverídicos”, explicaram os especialistas.

Então, o que fazer? Para os franceses, o ideal é a regulamentação de plataformas como o Facebook. Já o jornalista britânico Matthew d’Ancona defende que todos devem se tornar editores: filtrar, checar e avaliar o que é lido. Isto significa analisar os textos que misturam informações verídicas com boatos, os vídeos antigos que são publicados em outro contexto, as fotos manipuladas, as legendas sensacionalistas e as informações que refutam a realidade.

Christine Nyirjesy Bragale, vice-presidente da organização não governamental The News Literacy Project, enfatiza que é preciso ensinar os estudantes a distinguir fatos de ficção, por meio de uma alfabetização utilizando notícias. O objetivo é discernir entre material jornalístico verídico e falso. “Da mesma forma que crianças são ensinadas a entender textos impressos, elas devem ser ensinadas a navegar na web com discernimento”, ressalta a pesquisadora americana.

De acordo com Bragael, em períodos eleitorais, por exemplo, se as pessoas não souberem fazer essa distinção, a democracia fica fragilizada pela falta de pleitos baseados em informações concretas; uma situação alarmante.

É o que mostra a pesquisa da Universidade de Stanford, realizada em 2016. O estudo definiu como “lamentável” e “alarmante” a capacidade que os jovens têm de processar informações disponíveis nas redes sociais. Os testes foram feitos com 7.800 alunos dos ensinos fundamental, médio e superior, por um período de 18 meses, em 12 estados americanos. Em todos os níveis de escolaridade, os pesquisadores foram surpreendidos pela falta de preparo dos estudantes.

A educação digital aparece, portanto, como ferramenta essencial para a garantia da democracia. Esse é um tema não só para o futuro, mas para a atualidade também. Para se defender da mentira, nada melhor do que aprender a identificar o que de fato é verdadeiro. Afinal, expressões como “Não sei. Só sei que foi assim” só têm valia na boca de Chicó.

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