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Uma crise de gestão

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SÉRIE DE REBELIÕES E MASSACRES EXPÕE SITUAÇÃO CAÓTICA DOS PRESÍDIOS. NECESSIDADE DE SOLUÇÕES URGENTES É DESAFIO E OPORTUNIDADE PARA OS ADMINISTRADORES BRASILEIROS

A situação caótica das penitenciárias brasileiras voltou a ganhar projeção internacional no início deste ano. Rebeliões e confrontos entre presos integrantes de diferentes facções criminosas deixaram 133 mortos em dez presídios de oito Estados. Além da extrema violência característica desses conflitos, o país ficou chocado com as ocorrências em série, espalhadas por diferentes regiões do país.

Imagens de detentos circulando livremente no interior de unidades prisionais e uma aparente articulação de motins entre unidades tão distantes, a exemplo de Santa Catarina e Amazonas, reforçam ainda mais a impressão de que o Estado brasileiro perdeu totalmente o controle da situação. Apenas aguarda a próxima explosão para tomar novas medidas paliativas em uma crise sem solução aparente.

Porém, olhos atentos e experientes conseguem identificar as causas e possíveis soluções para o problema. Na busca de diagnósticos e maneiras para amenizar a situação dentro dos presídios, fatalmente surgem palavras e conceitos como visão sistêmica, planejamento, organização, direção, controle… Ou seja, a crise de segurança é um problema de gestão, portanto, os Administradores brasileiros têm um papel fundamental no seu enfrentamento.

EXEMPLO

Para o Adm. César José de Campos, não é possível avaliar o problema nas penitenciárias de forma isolada. “Não concordo com a visão de que a crise é do sistema penitenciário. A crise é do sistema de segurança pública. Se não tivermos uma visão sistêmica que entenda o sistema penitenciário como parte do sistema de segurança pública, não vamos avançar muito”, alerta.

Campos fala com a autoridade de quem já liderou um projeto de sucesso na área. No início da década de 1990, ele foi coordenador do Programa Delegacia Legal, implantado pelo Governo do Rio de Janeiro. Com a criação de um grupo executivo e em parceria com universidades, o programa modernizou e informatizou os distritos policiais e acabou com as carceragens nas delegacias.

A iniciativa teve reflexo em todo o sistema de segurança pública do Estado. A transferência dos presos que lotavam os distritos para os presídios forçou a criação de uma Secretaria de Administração Penitenciária, com a profissionalização dos agentes responsáveis pela guarda dos presos e a construção de 18 unidades prisionais, com 9 mil novas vagas. Policiais civis e militares ficaram livres de fazer a vigilância de detentos e penitenciárias, podendo se dedicar exclusivamente a suas respectivas tarefas de investigação criminal e policiamento ostensivo.

Os Administradores têm um excelente momento de afirmação profissional ao não se afastarem nem se omitirem diante das dificuldades que vivenciamos no país. Podemos apresentar análises, estudos, pareceres, propostas individualizadas ou coletivas que demonstrem o quanto os Administradores estão dispostos e comprometidos com o desenvolvimento de nosso país.”
ADM. CÉSAR JOSÉ DE CAMPOS

PRENDE MAL

O sucesso obtido pelo Programa Delegacia Legal, que foi reconhecido pela ONU com o Prêmio Dubai de Melhores Práticas, deixa claro como a situação dos presídios está diretamente ligada ao sistema de segurança pública em geral. A crise, portanto, não é exclusividade das penitenciárias, mas afeta também as polícias, o Ministério Público e os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo.

“Todo mundo fala da crise do sistema penitenciário, mas ninguém fala dos motivos da superlotação. Os presídios estão superlotados porque a polícia prende mal”, afirma César José de Campos.

No Brasil, o crime que mais leva pessoas à cadeia é o tráfico de drogas. Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), 28% dos mais de 700 mil detentos brasileiros estão presos por crimes relacionados à lei de drogas.

“Há muita confusão entre quem é traficante e quem é usuário. A lei não define de forma clara”, diz Campos. “Então o policial vai pelo caminho mais fácil. Tem droga, prende. Daí o sujeito vai para a delegacia, o delegado demora 30 dias para fazer o inquérito, e ele fica lá, preso. Depois o Ministério Público faz a denúncia, há todo o trâmite processual até o julgamento, e ele continua preso”, completa.

Outro problema com impacto direto na situação dos presídios é a morosidade do sistema judiciário. Atualmente, estima-se que o país tenha cerca de 250 mil presos provisórios. São pessoas que muitas vezes passam anos atrás das grades sem terem sido condenadas definitivamente por uma sentença transitada em julgado. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), esse número equivale ao déficit de vagas no sistema prisional brasileiro.

CAUSAS E SOLUÇÕES

A superlotação e a condição desumana dos presídios brasileiros é um problema que se arrasta por décadas. Há mais de 20 anos, o jurista e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Mauricio Corrêa, então ministro da Justiça, já alertava para a gravidade do tema, em depoimento a uma CPI instalada na Câmara dos Deputados:

Mauricio Correa
Ex-presidente do STF acredita que solução está integrada à reorganização do Estado, com vistas ao bem-estar da sociedade

“A questão penitenciária do Brasil é grave. Sua solução, extremamente complexa. E o ponto de partida é a compreensão
de que enquanto persistirem as causas geradoras da criminalidade violenta, enquanto não se reformular o sistema penal brasileiro destinando-se os presídios somente aos efetivamente perigosos –, nenhum governo conseguirá equilibrar o sistema penitenciário.

A solução está, assim, integrada à reorganização do Estado, ao estabelecimento de políticas públicas eficientes e justas, com vistas ao bem estar de toda a sociedade.”

Em duas décadas, o Governo fez muito pouco, além da construção de mais presídios para abrigar cada vez mais presos. Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) mostram que o Brasil teve um aumento de 267,32% na população carcerária nos últimos 14 anos – período que não registrou qualquer redução nos índices de violência, que seguem cada vez mais alarmantes.

Fica claro que, apesar de clamar por medidas urgentes, o caos nos presídios e a crise na segurança pública só poderão ser solucionados com medidas de longo prazo. Além do enfrentamento aos problemas sociais causadores da violência e das reformas citadas por Mauricio Corrêa há mais de duas décadas, uma revisão das leis que tratam do tráfico e uso de drogas é vista como fundamental.

“Se não temos uma visão clara da legislação sobre drogas, deixamos a definição na mão do policial. Se houvesse uma definição clara do que é uso e do que é tráfico, com certeza reduziria muito o número de presos.

A ONU recomenda a todo o mundo a descriminalização das drogas. A política de guerra às drogas não funciona. Se verificarmos o quanto é gasto pelo Estado, o número de mortos em confrontos com a polícia ou entre traficantes e a evolução do número de usuários, veremos que, do ponto de vista administrativo, a política de guerra às drogas é um grande fracasso”, avalia o Administrador César José de Campos.

MEDIDAS DE EMERGÊNCIA
Anunciadas pelo Governo Federal
  1. Transferência de líderes de facções para presídios federais
  2. Investimento de R$ 150 milhões em sistemas de bloqueio de celulares
  3. Investimento de R$ 80 milhões na compra de 3 mil scanners corporais, ao menos três por prisão
  4. Investimento de R$ 430 milhões na construção de cinco novos presídios federais
  5. R$ 870 milhões para construção de 25 presídios estaduais
  6. Criação de força-tarefa de inteligência contra facções, com representantes da Polícia Federal, Abin, Forças Armadas, Gabinete de Segurança Institucional, Receita Federal e Coaf
  7. Cobrar separação dos presos por gravidade da pena
  8. Criação de comissão para reformar o sistema penitenciário brasileiro
  9. Autorização do envio das Forças Armadas aos presídios
  10. Projeto ou PEC para financiamento da segurança pública
Defendidas pelo Adm. César José de Campos
  1. Mutirões das Defensorias Públicas, do Ministério Público e das varas de execução criminal para reduzir pendências em procedimentos judiciais
  2. Obras de reparos em unidades prisionais para recuperar vagas perdidas por falta de condições de habitabilidade
  3. Uso intensivo de tecnologia de controle e vigilância como scanners, tornozeleiras eletrônicas, raio X, bloqueadores de celulares e metais, drones, informatização administrativa e operacional, softwares específicos etc.
  4. Revisão dos critérios de liberação e aplicação de recursos do Ministério da Justiça para aumentar a eficácia dessas liberações
  5. Fortalecimento do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen)
  6. Treinamento intensivo e constante de agentes penitenciários
  7. Criação de protocolos de operação para as unidades prisionais
EMERGÊNCIA

Como resposta às rebeliões e conflitos em série registrados no início deste ano, o Governo Federal anunciou dez medidas emergenciais. Algumas, como a liberação de recursos para instalação de bloqueadores de celulares e scanners corporais nos presídios federais e a separação de presos por gravidade da pena são aplaudidas por especialistas em segurança pública e gestão penitenciária. Outras, como a construção de novos presídios, são vistas como populistas e sem eficácia.

Logo que as medidas foram anunciadas pelo Governo, o ministro do STF, Gilmar Mendes, criticou a proposta de construir novas unidades prisionais.

“A questão não se resolve agora com construção de presídios. É óbvio. Até porque um presídio para ser construído vai levar três, quatro anos, com todos os incidentes que ocorrem, licitações e tudo o mais. Tem que ter ação imediata nesses presídios que estão por aí”, disse Mendes em entrevista à BBC Brasil.

Segundo César José de Campos, existem ações mais efetivas que a construção de novas penitenciárias. “Algumas medidas emergenciais podem e devem ser imediatamente tomadas para amenizar a situação, como mutirões das Defensorias Públicas, do Ministério Público e das varas de execução criminal, para reduzir as pendências existentes em inúmeros procedimentos judiciais”, afirma.

PÚBLICO OU PRIVADO?

Muitas vezes apontada como solução para a questão penitenciária, a gestão privada de unidades prisionais não é sinônimo de bons resultados. Ao contrário, foi em um presídio privatizado que começou a série de rebeliões e conflitos registrados no início deste ano: o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, onde 56 presos foram assassinados na guerra entre facções e mais de 180 fugiram.

Logo após o massacre, veio à tona uma série de problemas de gestão e de fiscalização do contrato.

A empresa Umanizzare atuava com o contrato vencido desde dezembro de 2016, sem qualquer renovação ou aditamento. O presídio continuava operando com superlotação e o gasto do Estado por preso era mais elevado que nos presídios administrados pelo poder público: R$ 4,7 mil por mês, ante uma média nacional de R$ 2,4 mil. Para o Administrador César José de Campos, o problema não é a terceirização ou privatização em si.

“O problema não está na gestão privada, mas sim na capacidade e vontade política do poder público de fiscalizar e exigir o cumprimento do contrato, punindo sempre que for necessário. É inadmissível, por exemplo, que uma unidade prisional com gestão privada esteja com superlotação. Isso é um absurdo. Em resumo, gestão privada ou pública sem eficiência e eficácia é um caminho certo para o descontrole, para o caos no sistema penitenciário”, alerta.

No sistema de segurança pública, há inúmeras ações e soluções que podem melhorar muito os serviços.

PAPEL DO ADMINISTRADOR

Segundo Campos, os Administradores precisam ser protagonistas no combate à crise na segurança pública e ao caos nas penitenciárias. “É necessário que os Administradores se debrucem na análise dos problemas gerenciais e políticos que estamos vivenciando. Sem uma análise aprofundada, será difícil ter ações adequadas para a busca das soluções necessárias”, avalia.

Campos aponta a necessidade, dentro das penitenciárias, de algumas medidas que demandam a atuação de Administradores profissionais. “É necessário criar protocolos de procedimentos na gestão, no relacionamento com os presos, no relacionamento com as visitas… Um conjunto de procedimentos que seja padrão, que não seja alterado a cada mudança na direção da unidade prisional. Eu tenho defendido que os Conselhos de Administração podem ajudar muito nessa área. Criar esses protocolos de gestão é uma tarefa típica dos Administradores.”

A crise, portanto, é também um momento de oportunidade para os Administradores brasileiros, não apenas no que se refere diretamente aos presídios. “No sistema de segurança pública, há inúmeras ações e soluções que podem melhorar muito os serviços. Afinal, eles são prestados por organizações públicas como outras quaisquer, que têm metas a serem atingidas, logística, comprometimento com os resultados, motivação, racionalidade no uso dos recursos etc. Assim, vejo que os Administradores têm um excelente momento de afirmação profissional, ao não se afastarem nem se omitirem diante das dificuldades que vivenciamos no país.

Podemos apresentar análises, estudos, pareceres, propostas individualizadas ou coletivas que demonstrem o quanto os Administradores estão dispostos e comprometidos com o desenvolvimento de nosso país. O lado bom das crises é a esperança de novos tempos, de dias melhores para todos”, conclui Campos.

Cahuê Miranda

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