AVANÇO DA INTERNET E POPULARIZAÇÃO DOS SMARTPHONES DEIXARAM A VIDA MAIS ÁGIL, MAS CRIARAM UM NOVO TIPO DE DEPENDÊNCIA QUE PODE PREJUDICAR O TRABALHO E OS RELACIONAMENTOS PESSOAIS
Otimizar o tem o e facilitar as relações entre as pessoas são os objetivos primordiais das tecnologias de comunicação. O avanço da internet e a popularização dos smartphones, computadores e tablets, verificados ao longo das últimas décadas, certamente cumpriram essas funções. Porém, ao mesmo tempo em que facilita a vida das pessoas, em muitos casos o mundo digital se torna uma o sessão, um vício ou até mesmo uma doença. A dependência da internet é um transtorno que se tornou conhecido por nomofobia. O termo vem do inglês “no mobile phobia”, ou fobia de ficar sem o celular. Hoje, a denominação se aplica a todos os que sofrem desconforto ou angústia ao estarem longe do mundo digital. Ou seja, o medo (em alguns casos, pavor) de ficar desconectado. Esse tipo de doença é o outro lado da moeda dos benefícios conquistados com o surgimento da vida digital. Desde o surgimento da internet e com todo o avanço tecnológico que ela proporcionou, o ser humano ganhou mais conforto, passou a trabalhar com mais eficiência e dinamismo, passou a ter muito mais acesso à informação e possibilidades de se comunicar com pessoas dos mais diversos lugares e sobre os mais variados assuntos. E tudo isso com facílimo acesso, por meio de um aparelho que se pode carregar no bolso e utilizar em qualquer lugar. Mas como saber se o uso que você está fazendo do celular é adequado, excessivo ou já se tornou um vício? Segundo o pesquisador Eduardo Guedes, do Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), isso não depende apenas do tempo que a pessoa passa conectada. “Nem toda pessoa que usa muito a internet é dependente. O uso abusivo ocorre quando a vida virtual atrapalha a vida real”, afirma.
FOCO NO REAL
Guedes é um dos fundadores do Instituto Delete, primeiro núcleo no Brasil especializado em “Detox Digital”. “Fizemos uma pesquisa com mais de 20 mil pessoas e percebemos que existem três estágios: uso consciente, uso abusivo e uso abusivo dependente. E isso não está relacionado somente ao tempo que a pessoa passa conectada”, explica.
O uso consciente da tecnologia, segundo Guedes, é o que se foca na vida e no trabalho real. Pode ser pequeno, moderado ou excessivo. “O uso consciente excessivo é, por exemplo, o de uma pessoa que mora em outra cidade e quer se conectar com a esposa e os filhos. Ou alguém que passa muito tempo na rua e necessita estar sempre conectado, como um jornalista. Mas quando vai para uma reunião ou está com a família, deixa o celular de lado. O mundo virtual não atrapalha o real”, diz o pesquisador.
O sinal de alerta é aceso quando o mundo virtual passa a atrapalhar as relações no mundo real, sejam elas pessoais ou profissionais. Quando isso acontece, o uso passa a ser considerado abusivo e requer cuidados. “De 30% a 40% da população tem um uso abusivo”, aponta Guedes. Isso pode ser identificado quando a pessoa não se desconecta das redes sociais ou aplicativos de mensagens nem em momentos como uma reunião de trabalho ou um almoço em família e acaba prejudicando sua vida profissional ou afetiva.
Porém, nem mesmo nesses casos o uso excessivo é necessariamente uma doença. “Se quando chamado à atenção você mantém o controle e interrompe o uso, isso é um exemplo de uso abusivo não dependente. O uso abusivo dependente é quando há uma perda de controle. Desconectada, a pessoa passa a se sentir insegura, intolerante, irritada, em pânico… São sintomas de abstinência”, ressalta Guedes.
DESAFIO NAS EMPRESAS
Nas empresas, a difusão das tecnologias trouxe uma série de benefícios causados pela agilidade de comunicação com os colaboradores e pela abertura de um amplo leque de possibilidades, como a flexibilidade de jornadas e locais de trabalho. Porém, ao mesmo tempo, surgem diversos problemas decorrentes dessa conexão que pode se tornar praticamente ininterrupta entre o trabalhador e a empresa.
Segundo o administrador Alvaro Mello, diretor da Beca e-Work e membro do Grupo de Excelência de Teletrabalho e Mobilidade Corporativa do Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP), manter um equilíbrio nessa relação é um desafio dos gestores modernos. “O administrador deve avaliar algumas ocorrências, onde o ‘manter-se conectado’ prejudica a organização e ultrapassa o limite saudável”, afirma.
Entre as ocorrências oriundas do uso excessivo da tecnologia que merecem a atenção dos gestores, segundo Mello, está a má qualidade de vida dos colaboradores, o que acaba se ref letindo negativamente nas relações familiares e sociais, no seu lazer e na sua individualidade. Isso traz consequências diretas sobre o desempenho do trabalhador, com redução da motivação, da satisfação com o trabalho e da produtividade, além do aumento da rotatividade de pessoal (turnover).
PREVENÇÃO
Fazer uso disciplinado, controlando o tempo que se permanece conectado e tendo bom senso nos momentos em que se usa o celular ou o computador, são as maneiras mais eficientes para prevenir a nomofobia e o uso abusivo dependente. “Procure reservar, no seu dia, os momentos adequados para acessar a internet. O planejamento pode ajudar a diminuir a ansiedade e evita que aqueles pequenos acessos de cinco minutos acabem durando uma hora. Além disso, entenda que as coisas vão continuar as mesmas, independentemente do quanto você acessa o Facebook. Aquela notificação ou e-mail não precisam ser vistos ou respondidos imediatamente, pois ainda vão estar lá tanto dali a cinco minutos quanto em cinco horas”, recomenda Alvaro Mello.
Segundo o pesquisador Eduardo Guedes, é fundamental cuidar do sono, criando o hábito de se desligar do mundo virtual. “Existe hoje o sonambulismo digital. As pessoas deveriam, duas horas antes de deitar, começar a se desconectar. Estar conectado não é como ler um livro ou ver televisão. A internet é um estímulo ativo. Você vai sendo cada vez mais estimulado a interagir. A gente recomenda nunca levar o celular para a cama. Ao dormir, deixe o celular desligado, no silencioso ou longe de seu alcance”, afirma.
DESINTOXICAÇÃO
Para quem já sofre com o uso abusivo da tecnologia, algumas dicas que podem ajudar a se livrar dessa dependência: “Reflita sobre seus hábitos cotidianos e faça diferente. Escolha relacionamentos e amizades reais em vez de virtuais. Valorize suas relações pessoais, sociais e familiares. Não troque essas relações no dia a dia para ficar utilizando as tecnologias”, diz Guedes, apontando algumas das recomendações do programa Detox Digital.
Já Alvaro Mello recomenda o uso de aplicativos como o Rescue Time, que calcula a quantidade de tempo que se passa em cada programa ou aplicativo e dá uma nota para a produtividade de cada um. “O relatório de uso desse programa vai mostrar o quanto produtivo foi seu dia, o quanto usou sites de relacionamentos, a eficiência do seu uso do computador etc.”, destaca. Outro aplicativo que pode ajudar a reduzir o uso de internet é o Leech Block, que limita o acesso a determinados sites e programas.
O VERDADEIRO CULPADO
Para o administrador Alvaro Mello, uma forma de atenuar o problema da dependência digital pode vir da própria tecnologia. “Acredito que a forma como usamos a tecnologia para nos comunicar está afetando todos nós. Assim, necessitamos construir algo eletrônico que possa nos ajudar a incentivar uma interação mais pessoal, em vez de só através de nossos dispositivos, com os meios atuais. Não devemos culpar somente a tecnologia pelo seu uso exagerado e pouco saudável, pois mesmo se nos livrarmos dos smartphones, Facebook, WhatsApp, entre outros, ainda nos sentiremos sozinhos ‘juntos’. Não se trata apenas de uma questão tecnológica”, acredita.
Segundo Mello, culpar a tecnologia pelos problemas de relacionamento na nossa sociedade não é correto. A tecnologia é apenas uma ferramenta. “Culpamos injustamente a tecnologia para encobrir o problema real, pois o problema não é a tecnologia, nós é que somos o problema”, conclui.