Influenciada pelas mudanças tecnológicas e sociais, mercado apresenta novas características, com tendências como cybertopia, altermundo e pluridiverso
Por Leon Santos
A Quarta e Quinta Revoluções Industriais, e depois a pandemia, criaram fenômenos tecnológicos e sociais que mudaram completamente as dinâmicas econômica e laboral do mundo. De olho no futuro, pesquisadores brasileiros tentam entender o que ainda está por vir e pensam em como preparar a população e as organizações para os novos cenários cada vez mais disruptivos.
Uma das iniciativas para desvendar o novo contexto veio da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), com o relatório Macrotendências 2022–2023. O documento analisa três períodos de tempo — Futuro Emergente (de 0 a 5 anos), Futuro Pós-Emergente (de 5 a 10 anos) e Futuro Distante ( mais de 10 anos) — e traz novidades captadas no exterior, e também no Brasil, sobre prováveis transformações e soluções sobre como lidar com elas.
Expressões como Cybertopia, Altermundo e Pluriverso aparecem no estudo como tendências futuras e servem de base para o desenvolvimento de planejamentos estratégicos de empresas nacionais. Para tanto, os termos devem ser conhecidos e assimilados, sob pena de profissionais e empresas se tornarem irrelevantes nos contextos atual e futuro.
Cybertopia
União das palavras ciberespaço (internet) e utopia (representação de lugar ou situação ideal), na cybertopia aspectos imaginários e lógicos deixam de existir. Na prática, ela abrange novas ferramentas tecnológicas em um mundo descentralizado e com infinitas possibilidades.
Quando aplicada ao mundo corporativo, o termo significa maior autonomia, com ênfase na criatividade para integrantes de equipes de trabalho. Ao todo, as premissas referentes ao termo são: 1) Demanda por tecnologia ética e compromissada com o bem-estar social; 2) Disseminação de espaços híbridos, onde as conexões entre o mundo físico e digital adquirirem maior relevância) e 3) Descentralização, em que a internet apresenta maior segurança de dados e processos menos burocratizados.
Segundo a doutora em Administração, Christine da Silva-Schröeder, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a cybertopia traz a urgência de haver tecnologias éticas e descentralizadas, com foco em experiências profundas de interatividade com pessoas e marcas. Ela explica que alguns exemplos de aplicações estão presentes no Metaverso, na Inteligência Artificial (IA), bem como nas Realidades Aumentada e Virtual, como em Dispositivos Wearables (acoplados a roupas e futuramente ao corpo humano).
“Cópias digitais passam a ser desenvolvidas como simulação de maquinário e de vestuário, além de personalidades e gestores sendo representados por avatares em negócios e redes sociais. Desse modo, gera uma economia simbólica que compreende produtos como aqueles de tecnologia NFT”, explica Christine.
Altermundo
O altermundo é derivado da palavra altermundialismo, termo que defende a interação e cooperação global contra os efeitos negativos da globalização econômica. Entre suas pautas estão a proteção ambiental e climática; justiça econômica e social; proteção laboral (legal e física); proteção de culturas indígenas; paz e liberdade civil.
Discutido de forma recorrente no ‘Fórum Social Mundial’, o conceito de altermundo rodou o planeta e chegou às universidades, instituições de pesquisa (tanto autônomas quanto de opinião) e depois em grandes corporações. Sinônimo de uso da tecnologia para manutenção de um mundo habitável, ele ampliou o conceito de transparência de relacionamentos e de operações mais eficientes e seguras.
Sua aplicação também está ligada à redução de impactos ambientais, ao investimento na economia verde e à rapidez nas decisões que afetam a vida da coletividade. Entre as premissas do termo estão, ainda, a aplicação da logística reprogramada — que propõe repensar quem são os fornecedores (se trabalham com práticas sustentáveis)—, além da redução de impactos socioambientais e o aumento da eficiência operacional e energética.
Reciclagem
O reparo de equipamentos para ampliar o ciclo de vida de produtos também é outro conceito pregado no altermundo, assim como a logística reversa. Nesse último, os fabricantes coletam produtos obsoletos para reaproveitar peças ou as encaminham para seus fornecedores que também reutilizam elementos químicos para confecção de novas peças.
Segundo a pesquisa Resíduos eletrônicos no Brasil-2021, apenas 3% do lixo eletrônico produzido no país é reciclado. Na mesma publicação, 25% dos entrevistados disseram nunca ter descartado corretamente um produto eletrônico.
Para o doutor em Administração e professor na Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ), Antonio Ranha, as questões climáticas mundiais não serão apenas mais um tema a ser discutido, mas sim uma preocupação e diretriz nas empresas. Ele considera que não há mais como fugir da discussão de preservação do Planeta, sem envolver a sociedade e, sobretudo, as empresas.
“Nesse sentido, é uma macrotendência que vai cobrar das empresas transparência, rastreabilidade dos processos, origem dos produtos e a estruturação de logística que tenha o menor impacto ambiental possível. Também inclui o uso de métricas para mensurar com exatidão as ações que estão sendo implementadas”, resume Ranha.
Pluridiverso
O Pluridiverso pode ser entendido como o uso da tecnologia para fazer uma revisão de parâmetros de performance, hábitos e costumes. Tem ainda como objetivo melhorar a relação entre indivíduos que convivem no mesmo espaço, seja físico ou digital.
Nas relações virtuais (por internet), traz, como exemplo, a proposição de uma etiqueta digital, a fim de evitar mal-entendidos, sobretudo, no contexto de relações profissionais remotas. Propõe, ainda, experiências digitais mais inclusivas, seja na forma da linguagem (para portadores de necessidades especiais, tais como cegos e surdos) e conteúdos mais democráticos e voltados a públicos diversos — inclui interesses de diferentes classes, tais como sociais, de gênero, étnicas, idade e geografia.
De acordo com Christine, no pluridiverso os cidadãos aparecem como pessoas que reaprendem a se relacionar em realidades híbridas, seja no presencial, virtual e em ambos, como é o caso do metaverso. A pesquisadora destaca a necessidade de reestruturação do mercado de trabalho no Brasil, com maior inclusão de populações em vulnerabilidade: em especial as de classes sociais mais baixas, bem como pessoas sem acesso a trabalho, renda, à infraestrutura básica e à educação.
“Penso que é preciso haver antes o letramento (aprendizado e prática) dessas tendências pelos próprios RHs e gestores. Antes de tais tendências serem consistentemente absorvidas por nossa sociedade, elas devem acontecer dentro das próprias organizações, em diferentes modelos de negócio”, afirmou.
Outro conceito ligado ao pluridiverso, destacado pelo pesquisador Antonio Ranha, é a reestruturação da logística afetiva, que aparece como reorganização de espaços físicos (lares) — com a instituição de acordos familiares no home office para o uso do mesmo espaço (de trabalho para alguns e diversão para outros), em especial no contexto da pandemia. Para ele, o termo é vasto e tende a desenvolver aspectos há tempos preteridos pelo mercado.
“Em suma, o pluridiverso entra em discussões mais aprofundadas sobre como vai funcionar o trabalho (se híbrido ou a distância), passa pela criação de novas dinâmicas de trabalho nas empresas e ainda gera espaço de diálogo e mantém os parâmetros de produtividade nos negócios. Também cuida do bem-estar dos colaboradores, o que é primordial para todo o processo de humanização das relações sociais”, finaliza.