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Ética empresarial e cidadania

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Se o século XX ficou conhecido como a era da violência, da ciência e da tecnologia, o século XXI desponta como a era da cidadania, do civismo e da ética.

Embora os primeiros movimentos desse novo século ainda arrastem os restos da cultura autoritária que marcou a era da violência, nunca o cidadão e a sociedade civil estiveram tão organizados e exigentes na cobrança de mais ética, respeito aos seus direitos e responsabilidade social. O crescimento do movimento ambientalista, a proliferação das entidades de defesa do consumidor, de denúncia da corrupção, as manifestações crescentes por maior equidade nas relações entre as nações – e entre as corporações e os cidadãos – começam a moldar uma nova ordem.

O tráfico de drogas, a corrupção e a lavagem de dinheiro ainda movimentam bilhões de dólares no sistema financeiro internacional. Mas o clamor da sociedade civil pela ética tem levado governos e organismos multilaterais a apertarem o cerco aos paraísos fiscais, e os legislativos a tornarem cada vez mais rigoroso o arsenal de leis e órgãos reguladores.

Multiplicam-se, hoje, os fundos de investimento que aplicam seus recursos somente em empresas socialmente responsáveis, que respeitam o meio ambiente e são transparentes com seus acionistas, fornecedores e clientes. Organismos internacionais de financiamento e órgãos reguladores dos principais mercados financeiros estabelecem regras e exigências éticas cada vez mais rigorosas para a listagem de corporações que desejam se habilitar aos seus recursos.

A responsabilidade social corporativa deixa de ser figura de retórica a emoldurar as publicações institucionais das empresas para constar dos balanços e relatórios apresentados às assembleias de acionistas e ao mercado; passa a ser parte do negócio. Não só porque os grandes fundos de investimentos não querem correr riscos de aplicar seus recursos em empresas sujeitas a multas ambientais, ações civis ou trabalhistas, mas também porque seus cotistas, mais que investidores, são cidadãos, que descobrem que podem cobrar não apenas lucro, mas também ética, compromisso ambiental e responsabilidade corporativa.

O observador atento, que se demore na leitura de balanços e relatórios das grandes corporações e se preocupe em compará-los com publicações semelhantes de alguns poucos anos atrás, perceberá com facilidade a mudança substancial na qualidade da informação, na transparência e, com certeza, no volume de recursos endereçados à área social e ambiental das companhias. Empresas que confessam em seus relatórios danos ambientais decorrentes de suas atividades, punições de empregados e executivos envolvidos em corrupção, e mortes resultantes de falhas em seus sistemas de segurança constituem fenômeno bem recente no mundo dos negócios, assim como a prática dos recalls.

Se a globalização dos mercados derruba barreiras comerciais e fronteiras políticas, a transnacionalização das empresas obriga seus executivos a negociarem cada vez mais com representantes do poder político local, agentes legislativos e órgãos reguladores mais severos e atentos. Se as comunidades abrem suas portas ao consumo e franqueiam seus mercados, cobram também das empresas a retribuição social, ética no relacionamento e o respeito às suas leis, ao meio ambiente e aos consumidores de seus produtos.

Foi-se o tempo em que a função social da empresa era produzir, dar emprego, pagar imposto e respeitar a lei. O cidadão do novo século exige mais. Quer que as empresas sejam mais que agente econômico: que sejam parceiras num projeto de bem-estar social. Cobram uma relação de troca de benefícios, transparência na ação, ética no relacionamento e investimento no desenvolvimento sustentável da comunidade onde atuam.

A empresa que não se ajustar aos novos padrões de exigência será varrida do mercado no século da cidadania. Sucumbirá à avalanche de multas ambientais e fiscais, ações civis e trabalhistas, à restrição gradativa de crédito e ao cerco dos órgãos reguladores. Mais ainda: perderá os seus clientes.

Para que se ajuste, tem que mudar rapidamente sua postura. Precisa criar nova cultura, estabelecendo padrões éticos de conduta para todo o tecido funcional. Fazer com que seus executivos e empregados entendam que seu negócio é mais que vender produtos ou serviços. Além disso, precisam vender credibilidade e transparência, estabelecer relação de respeito e confiança com seus acionistas, fornecedores e clientes.

O cidadão do novo século começa a entender que os governos não são os responsáveis por todos os males, nem a solução para todos os problemas. Descobre, gradativamente, que há poucos inocentes nas sociedades contemporâneas. Mas recusa-se, também, a aceitar que a venalidade seja traço congênito dos homens. Acredita numa nova ordem e cobra soluções.

Como já dizia Albert Camus, diante de circunstâncias igualmente escandalosas: agora já não há mais cegos ou ingênuos, apenas cúmplices.

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