Falência, insolvência e recuperação judicial. Termos entraram no cotidiano da mídia e escondem razões pelas quais grandes empresas se afundaram
Por Leon Santos
As grandes falências, insolvências e recuperações judiciais sempre despertam interesse e atenção, tanto por suas causas quanto por suas consequências. Exemplos de expressão não faltam: no exterior, as falências do tradicional banco de investimento Lehman Brothers e da gigante da fotografia Kodak foram destaques na última década, e, no Brasil, o caso das Lojas Americanas deixaram todos surpresos devido à reputação que a empresa detinha.
No caso do banco norte-americano, a instituição investiu boa parte de seus recursos em hipotecas subprime, o que a fez ruir com a bolha imobiliária dos EUA no ano de 2008. Hipoteca é uma forma de financiamento imobiliário comum nos EUA, em que o imóvel é dado como garantia ao banco caso o tomador não consiga pagar as dívidas; já o termo subprime refere-se a empréstimos concedidos a pessoas com alto risco de crédito.
Quanto à falência da Kodak, ela está ligada à falta de adaptação às mudanças de mercado. Por mais de 100 anos, a Kodak foi pioneira na fotografia analógica e depois digital, mas a empresa falhou ao tentar proteger seu negócio principal de filmes e câmeras analógicas e não conseguiu reconhecer a velocidade e a amplitude da mudança que a tecnologia digital traria para o setor.
Segundo o administrador e CEO do ‘Grupo Agir Consultoria’ Carlos Cova, o caso das Americanas é diferente, pois a recuperação judicial em que ela se encontra foi consequência de uma fraude deliberada, praticada por seus dirigentes e que não foi detectada pelas empresas de auditoria — o que revela uma falha grave de controle. “Foi um processo longo de acobertamento de passivos, de forma ilícita, com a participação de muitos atores dentro e fora da empresa”, avalia.
Diferenças
Antes de esclarecer as razões que levam empresas a situações semelhantes, Carlos Cova explica a diferença entre insolvência, falência e recuperação judicial. Segundo ele, enquanto a insolvência é a incapacidade, por vezes momentânea, de a empresa não arcar com seus deveres e obrigações, a falência representa de fato o fim de uma empresa; o que pode representar grandes prejuízos econômicos aos credores e sociais com o desemprego dos funcionários.
De acordo com Carlos Cova, insolvência é uma situação circunstancial, que pode se caracterizar pelo fato de uma empresa ter maior volume de passivos do que ativos suficientes para saudar. Não é necessariamente uma situação grave, pois os vencimentos de tais ativos e passivos podem ser diferentes, permitindo que a empresa consiga pagá-los.
“Já a falência é uma situação jurídica diferente, pois é decretada por um juiz, e pedida pelos credores da empresa que não cumpriu com as suas obrigações financeiras, na data em que foram exigidas. Nessa condição, passa a não ter mais a livre disposição sobre os seus bens, que farão parte de uma massa falida a ser liquidada, buscando a satisfação das obrigações exigidas pelos credores”, explica Cova.
Sobre a recuperação judicial, ela é regida pela Lei 11.101/2005 e consiste na reorganização financeira de empresas que passam por um momento de crise, mas que ainda têm condições de se manter em funcionamento. “O que especificamente acontece no processo de recuperação judicial, é que se o devedor não apresentar um plano de recuperação, dentro de um prazo de 60 dias, conforme o artigo 53 da Lei 11.101/2005, o juiz decretará oficialmente a falência da empresa”, explica a economista e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Cláudia Regina Carvalho.
Principais erros
De acordo com Cláudia, entre os principais erros que levam empresas ao estado de insolvência, falência ou recuperação judicial, estão: acomodação frente às inovações de mercado e culturas de negócios imutáveis, sobretudo, em empresas familiares, situação que prejudica o negócio e sua sustentabilidade. Outro fator prejudicial seria a falta de atenção às finanças, que pode acarretar o não cumprimento com seus custos e obrigações financeiras e tributárias.
“Essa saúde financeira é o básico para continuar evoluindo e prosperar. Além disso, contribui imensamente para ter condições de tomar decisões acertadas, em termos de novos investimentos e oportunidades de crescimento”, diz Cláudia.
Outros fatores que podem fazer as empresas ruírem são a falta de transparência, pois mina a credibilidade junto aos investidores, a confiança do mercado financeiro e do público em geral, e a falta de foco no cliente. Um exemplo sobre esse último quesito foi a falência da gigante Blockbuster (de aluguel de mídias de filmes, em formato DVDs e Blu-rays), que não conseguiu antever as mudanças de comportamento e preferência dos consumidores, que estavam migrando para serviços de assinatura via streaming como a Netflix.
Outra empresa que errou em outro aspecto, e desapareceu do mercado foi a Blackberry — até então líder de mercado na era dos primeiros smartphones. Por falta de diversificação, ela confiou em apenas um produto e virou alvo fácil para os concorrentes Apple e Samsung.
“O mercado assumiu um grau de complexidade que apenas permite a sobrevivência daqueles que errarem menos. É a combinação de práticas de boa governança, aliada a uma forte capacidade de realinhamento estratégico neste mundo de transformações rápidas, que pode ajudar a sobrevivência das corporações”, sentencia Cova.