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Carros elétricos da China balançam mercado automotivo

Avanço chinês coloca, no entanto, o ocidente em alerta contra nova onda de desindustrialização

Por Ana Graciele Gonçalves 

A indústria automotiva chinesa vem ganhando destaque nos últimos anos, não apenas como um grande mercado consumidor, mas também como um competidor significativo no cenário global de fabricação de veículos. O crescimento acelerado e os investimentos maciços em pesquisa, desenvolvimento e produção têm impulsionado a China para o topo da cadeia automotiva. 

Essa ascensão é vista, no entanto, com temor pelo mercado internacional de fabricação de carros. A preocupação é com uma possível onda de desindustrialização no mundo, fenômeno que já aconteceu e provocou na época a demissão de 1 milhão de trabalhadores americanos do setor de manufatura entre 1997 e 2011. 

Há cinco anos a China exportava somente um quarto da quantidade de carros japoneses. Mas, no início deste ano, a indústria chinesa divulgou ter exportado 4,91 milhões de veículos automotivos em 2023, em comparação aos 4,42 milhões da indústria japonesa, no mesmo período. 

Segundo o doutor em administração e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Gabriel Martins, a estratégia da China começou quando o país decidiu investir na ‘Nova Rota da Seda’, há mais de dez anos, a fim de ampliar a sua influência no mundo e expandir sua participação na cadeia produtiva de vários países da Europa, Ásia e África. Entretanto, em 2013, os chineses enfrentaram fortes ondas de calor, o que desencadeou uma forte crise na indústria metalúrgica. 

“Como fruto de suas ações, para conter a crise e consciente de seu papel em combater o aquecimento global — já que sentiu na pele o efeito dos danos ambientais que causara no passado —, a China desponta como expoente produtor de veículos elétricos na atualidade”, conta o professor. 

Reação 

Países como os Estados Unidos, um dos principais produtores de carros do mundo, já começam a reagir. O governo americano estuda medidas protetivas para sua indústria automotiva, como forma de frear o avanço dos carros elétricos chineses no mercado interno. 

De acordo com o diretor presidente da Action Pesquisas, Afrânio Soares, a expansão da indústria automotiva chinesa é um fenômeno que afeta mundialmente os fabricantes de automóveis tradicionais, pois os chineses estão investindo em inovação e grande parte desse segmento já é ocupada por modelos elétricos da China. “O país tem mão de obra mais barata e um mercado consumidor próprio o que lhes dá uma vantagem competitiva significativa contra o resto do mundo.”, justifica o administrador. 

Já Martins destaca que nos Estados Unidos, além das medidas protetivas estudadas pelo governo, empresas como Tesla desenvolvem trabalho semelhante e podem vir a dominar o mercado automotivo, bem como fornecer os componentes necessários para competir com os veículos chineses. Nos países da União Europeia, por sua vez, além das medidas protecionistas, produtores de veículos tradicionais começam a firmar alianças com empresas chinesas, importando tecnologia por meio de joint ventures

“No Brasil, o mercado produtor imagina que a transição para a nova matriz automotiva deverá ocorrer gradualmente, talvez acreditando que o governo também adotará medidas restritivas. Mas é um grande risco, face à boa relação que existe entre os dois governos e a dependência do país a tecnologias estrangeiras”, justifica Martins. 

Paradigma 

Na opinião de Soares, o Brasil deve encarar o fenômeno como um acirramento da concorrência e deve procurar produzir carros com tal tecnologia, pois eles serão mais úteis nesse novo cenário. “Está havendo sim uma troca de players em escala global. Nós estamos quebrando um velho paradigma e entrando em um novo”, diz o especialista. 

E as expectativas do mercado brasileiro mostram que, futuramente, o setor de carros elétricos vai abocanhar uma boa fatia nesse segmento. É o que revela um levantamento da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA) e o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), realizado pelo Boston Consulting Group (BCG) e divulgado em agosto de 2023. 

O estudo mostrou que a expectativa do mercado produtor brasileiro é de que, nos próximos dez anos, o país tenha no mercado automotivo uma receita proporcional próxima de 40%, oriunda de veículos elétricos e híbridos, contra os 12% atuais. “O crescimento anual previsto para o período de 2021 a 2035 é de 3%, considerando o mercado automotivo como um todo, sendo de 12% para a nova matriz e de apenas 1% para a matriz antiga. Já a margem de lucro prevista para o ano de 2035 no segmento de veículos elétricos e híbridos mais que dobra, saindo de 19% em 2021 para 50% em 2035”, descreve Martins. 

Apesar disso, as condições brasileiras em relação à inovação, ciência e tecnologia, infraestrutura, taxa de juros e capital intelectual deixam o Brasil muito atrás dos grandes mercados automotivos nessa corrida. O estudo feito pela BCG aponta que os mercados americano e europeu se preparam para reagir fortemente já no ano de 2025, enquanto o brasileiro estima-se que estará pronto para competir nesse novo mercado somente no ano de 2030. 

“Obviamente, a indústria brasileira de peças sofrerá grandes mudanças, já que os novos veículos utilizam componentes específicos e novos materiais, para os quais não temos domínio tecnológico. Infelizmente, com a lentidão com que o governo e as escolas de formação profissional implantam as mudanças necessárias no sistema educacional brasileiro, o Brasil corre o risco de chegar em 2030 sem o capital intelectual necessário para atender à demanda do setor automotivo”, alerta Martins.