Por Rodrigo Miranda
Nos últimos tempos, conflitos em várias partes do mundo viraram notícia, como a guerra entre Rússia e Ucrânia. Mesmo distante dessas situações, o Brasil surge como um protagonista inesperado.
O país se tornou o principal exportador mundial de alimentos em 2023. Essa mudança no panorama global levanta questões sobre o futuro da economia brasileira, suas vantagens competitivas e desafios emergentes.
O crescimento do setor agroindustrial brasileiro tem sido de grande destaque e continua impulsionado pela extensa área de plantação, pelo clima favorável e pela adoção de tecnologias modernas. Os fatores, combinados, permitem ao Brasil atender à crescente demanda mundial por alimentos, consolidando sua posição como líder no segmento.
Para Reginaldo Nogueira, PhD em economia e diretor sênior do Ibmec, os grandes benefícios são a geração de renda, impostos e dólares. Ele destaca que a balança comercial brasileira é bastante dependente do agro, inclusive a taxa de câmbio é bastante afetada por ele.
“A demanda internacional por alimentos é enorme, e a produção de commodities agrícolas é uma fonte de grande pujança econômica e geração de divisas. O Brasil é um grande produtor e exportador do setor — isso tem aparecido não apenas na nossa balança comercial, mas também no PIB: vale lembrar que o crescimento de 3%, esperado para 2023, se deve em grande medida ao excelente resultado do agro no primeiro semestre”, diz Nogueira.
Apesar disso, o país enfrenta desafios significativos que podem comprometer sua posição como principal produtor global de alimentos em longo prazo. Os efeitos das mudanças climáticas representam uma preocupação significativa, já que a variabilidade climática pode afetar a produção agrícola.
Outro fator preponderante é a concorrência global sempre em evolução, com outros países buscando aumentar sua produção agrícola e conquistar fatias maiores do mercado internacional. Além disso, o país enfrenta a falta de políticas consistentes de incentivo à industrialização.
SWOT do agro brasileiro
Pontos Fortes:
- Abundância de recursos naturais e terras aráveis.
- Crescente adoção de tecnologias agrícolas avançadas.
Pontos Fracos:
- Infraestrutura logística subdesenvolvida.
- Burocracia e entraves regulatórios.
- Vulnerabilidade a flutuações climáticas.
Ameaças:
- Competição crescente de outros produtores agrícolas.
- Impactos adversos das mudanças climáticas na produção agrícola.
Oportunidades:
- Investimento em infraestrutura e logística.
- Expansão para novos mercados e segmentos.
- Desenvolvimento de práticas agrícolas sustentáveis.
Comodificação
Valter Lúcio de Oliveira, professor de sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que a internacionalização da agricultura brasileira faz com que sejam destinados boa parte das pesquisas, dos investimentos e das tecnologias para culturas que têm forte demanda externa e são negociadas em dólar. Portanto, numa economia liberal, o produtor irá destinar seus meios de produção para aquele negócio que lhe trouxer maior estabilidade e retorno econômico.
“Os riscos estão relacionados a essa acentuada comodificação da nossa economia, ou seja, a destinação de boa parte das nossas terras e recursos naturais para a produção de produtos agrícolas voltados ao mercado externo. É um sistema que nos coloca em situação de uma tripla dependência: a dependência de um tipo específico de mercado consumidor para o qual priorizamos a destinação de nossos produtos, a dependência de um mercado vendedor de insumos e a dependência tecnológica”, diz.
A reindustrialização também é um grande desafio na atualidade. Décadas de políticas desatualizadas, falta de investimento em capital humano e um ambiente fiscal instável têm minado os esforços para revitalizar a indústria nacional.
A desindustrialização observada nas últimas décadas é um reflexo de tais deficiências estruturais. Embora a competição internacional seja feroz, a diversificação econômica e a criação de empregos de qualidade são fatores imperativos para o desenvolvimento sustentável em longo prazo. A reindustrialização oferece uma oportunidade para o Brasil reduzir sua dependência de commodities e promover uma economia mais resiliente e inovadora.
“É claro que temos dificuldade de levar o dinamismo do agro para outros setores, e parte disso é exatamente a questão da infraestrutura. Indústria e serviços, e a diversificação produtiva passam fundamentalmente por um salto na qualidade da educação brasileira e essa é uma agenda fundamental, onde temos avançado muito pouco ao longo dos anos”, ressalta Nogueira.
Já para Valter Lúcio de Oliveira, a agropecuária de larga escala, que se pratica nas principais regiões produtoras, emprega pouca mão de obra e, para ele, um país não se desenvolve investindo num modelo que é concentrador de terras e de riquezas nas mãos de poucos. Ele ressalta que um estudo do IPEA aponta que a agropecuária é a atividade que mais tem contribuído para ampliar a desigualdade no país.
“Entre 2017 e 2022 os 0,01% mais ricos do país aumentaram em 248% suas rendas advindas da agropecuária. Considero que não podemos apostar num modelo que produz tamanha fratura social. É fundamental que o país se industrialize a partir do paradigma ambiental — assumindo que esse paradigma imponha limites e questione o modelo predominante — e também se constitua práticas que coloquem o Brasil numa posição de grande vantagem em relação aos demais”, sentencia.