Além de ter uma das maiores cargas tributárias do mundo, Brasil é o primeiro entre os que pior entregam serviços públicos e bem-estar à sociedade.
Por Leon Santos
Considerada um dos principais gargalos que impedem o Brasil de crescer e sua população de ter melhor qualidade de vida, a carga tributária nacional é uma das mais altas do planeta. Segundo o relatório “Estatísticas Tributárias na América Latina e Caribe 2021”, da Cepal/ONU, a carga tributária do Brasil equivale a 33,1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
No ranking da ‘Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)’, o país ocupa a 14ª posição entre aqueles com maior carga tributária (CT). À primeira vista, o dado não surpreende, exceto pelo fato de os países com os maiores impostos da lista serem desenvolvidos e oferecerem excelente ou boa qualidade de vida a seus cidadãos.
De acordo com dados da OCDE, a Dinamarca é a nação com maior CT, seguida pela Suécia, Itália, Bélgica e, em quinto lugar, a Finlândia. Na sequência aparecem Áustria, França, Noruega e Hungria, além de Eslovênia, Luxemburgo, Alemanha, e em 13º lugar a República Tcheca.
Ao verificar as diferenças das realidades sociais entre as nações, o ‘Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)’ resolveu criar um cálculo que avaliasse a carga tributária — percentual obtido pela divisão do total geral de arrecadação de tributos, em um ano, pelo valor do PIB — e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Da relação entre a taxa de carga tributária, por país, e seu respectivo IDH, nasceu o ‘Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade’ (Irbes).
Criado pelo IBPT, o novo indicador (Irbes) revelou que o Brasil é quem proporciona o pior retorno em termos de serviços públicos e de qualidade de vida a seus cidadãos. Segundo dados do instituto, enquanto o país tinha carga tributária de 35,21% do PIB e Irbes de 139,19 (em 2018, ano da última pesquisa), o Reino Unido apresentava índices de 33,50% e 164,8.
Quanto maior é a nota do Irbes, melhor é a aplicação dos tributos em prol da sociedade. No ranking, o Brasil perde não apenas para o país europeu como também para os Estados Unidos (24,30% do PIB e Irbes de 165,26) e Argentina (28,80% de CT e Irbes de 152,43).
Na prática, a alta carga de tributos tira a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional e empobrece a população. Também cria um círculo vicioso de aumento de impostos para sustentar a máquina pública que, por vezes, é mal gerida e fornece brechas para a corrupção.
Rodapé: *Acesse o QR Code ao lado e conheça a pesquisa e a metodologia de formação do Irbes
Burocracia
De acordo com a doutora em administração e professora no ‘Programa de Pós Graduação em Administração’ da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ana Paula Cherobim, a carga tributária nacional é alta e carrega consigo a máxima de que no Brasil “não basta pagar, tem que sofrer”. Isso porque, além da CT exacerbada, existe uma complexa teia que compõe impostos, taxas e contribuições para melhorias.
“O sofrimento está em, por exemplo, um único automóvel possuir três impostos distintos: três guias emitidas, em três sites diferentes. A maioria dos estados brasileiros ainda sequer manda as guias para o endereço de registro de veículo; já as multas, por sua vez, chegam rapidinhas”, ressalta.
Outra amostra está no pagamento do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). As empresas precisam saber: 1) qual é o enquadramento tributário dos produtos vendidos; 2) quais são as alíquotas; 3) quais são os prazos para o pagamento e 4) quais produtos precisam ter o tributo recolhido antes de a mercadoria sair para entrega.
A pesquisadora ressalta que, comparativamente, um estudo do IBPT (de maio de 2021) mostrou que o brasileiro trabalha em média 149 dias do ano apenas para pagar impostos. Ela também ressalta que quem paga mais tributos no Brasil é a classe média, e que 32% de toda a riqueza produzida no país (PIB) é enviada ao governo, mas isso não é convertido em benefício da sociedade.
“Com certeza se trabalha muito física e financeiramente para pagar os tributos. Mas é sempre importante entender a complexidade de comparar países, porque são realidades muito distintas”, avalia.
Falha sistêmica
Para o pesquisador em Direito Tributário da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ), Gabriel Quintanilha, a carga brasileira pode ser considerada alta, porque diferente dos países de primeiro mundo, ela abarca não somente o patrimônio e a renda, mas também a produção e a circulação de bens. Com isso, o custo dos produtos é alto e impacta de maneira acentuada na economia do país.
Em termos numéricos, Quintanilha ressalta, no entanto, que a alíquota de imposto de renda de pessoa física no Brasil é menor que a dos Estados Unidos e Portugal. Porém, analisar apenas a alíquota não reflete a realidade de como os impostos são aplicados em território nacional em relação a outros países.
Para Quintanilha, outro problema encontrado quando se fala em imposto no Brasil é a corrupção. Apesar de a arrecadação ser alta, há má gestão de dinheiro público.
“O orçamento parece não ter dono, quando, na verdade, é patrimônio de todos os cidadãos. A reforma administrativa é fundamental para que depois haja uma reforma tributária efetiva: que reduza impostos e as obrigações acessórias”, analisa.
Quintanilha revela, ainda, que a alta tributação sozinha não representa todo o peso que impede a decolagem da economia brasileira. Segundo ele, uma empresa no Brasil gasta mais de mil horas anualmente para organizar e pagar tributos e, caso cometa algum equívoco, é multada.
“A burocracia tributária é imbatível e espanta o investidor, que é quem vai gerar emprego e aquecer a economia. É preciso haver uma mudança urgente para o país avançar”, diz.
Insatisfação
O conceito de serviço público é complexo, segundo a mestra em Contabilidade e especialista em Administração Financeira, Laurise Pugues, uma vez que o governo precisa gerir seus meios, que são escassos, com o objetivo de atender necessidades ilimitadas e situações difíceis de serem atendidas. Para ela, “a relação serviço público e pagamento de tributos ainda não está adequada, por isso há insatisfação por parte da população”.
Em 2016 uma pesquisa da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), última sobre o tema, já mostrava a insatisfação dos brasileiros sobre a relação entre ‘qualidade de serviços públicos’ e ‘valor dos impostos’. Para 84% dos entrevistados, os impostos eram elevados ou muito elevados, e 80% queriam redução imediata de despesas para diminuir déficits orçamentários.
De acordo com a contadora, faz mais de dois anos que a reforma tributária tem sido aguardada, mas algumas mudanças já ocorreram: como o fato de o governo realizar a reforma tributária em etapas. Uma das dificuldades está em reduzir a carga tributária sem prejudicar os entes públicos financeiramente.
“Essa indefinição na reforma tributária acaba afetando os planos de investimentos que algumas empresas gostariam de realizar, por isso é imprescindível fazer logo a reforma tributária para auxiliar a retomada do crescimento. Precisamos simplificar a legislação tributária, tornando o sistema menos complexo para todos os contribuintes”, sentencia.
Gestão
Para a doutora em Administração, Ana Paula Cherobim, existe um grave problema de gestão ao se arrecadar muito e não haver o retorno esperado, mediante a quantia que é tributada. Ela diz que parte do problema que acontece na gestão pública está atrelado aos apadrinhamentos políticos ou políticas partidárias exercidas no Brasil.
A administradora diz que a população brasileira é trabalhadora e criativa, e usa como exemplo o árduo esforço de adaptação durante a pandemia. Já no âmbito político, ela critica ao dizer que por vezes os agentes públicos são seduzidos pelos privilégios da posição.
“Muitas vezes bons representantes são eleitos, mas ao assumirem são abraçados pelas benesses do cargo e acabam por se locupletar (enriquecer). Ou nada fazem, ou rapidamente se associam à terrível política do ‘toma lá dá cá’ e o desenvolvimento não acontece”, sentencia.