No momento, você está visualizando Poder da logística e do marketing

Poder da logística e do marketing

Com expertise nas duas áreas, a administradora Marli Tacconi é a entrevistada da edição 162 da RBA. Ela traz preciosos insights e fala sobre as principais tendências e novidades dos dois segmentos

Por Leon Santos

Administradora de formação, mestra em engenharia de produção e doutora em administração são algumas das formações de Marli Tacconi. À frente de importantes projetos, ela é líder do grupo de pesquisa denominado “Estudos Organizacionais e Cooperação (EOC)”, ligado ao ‘Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN)’, instituição onde é professora.

Nas linhas a seguir, Marli conta sua trajetória profissional e também sobre como desenvolve projetos em logística e em marketing, de forma concomitante. Ela fala sobre os principais gargalos da logística, mas também cita as principais tendências e novidades do setor.

A administradora ainda discorre sobre o teor de seus projetos na área de marketing e narra as novidades do setor. Também relata suas impressões sobre novos comportamentos do consumidor e greenwashing.

 

RBA: Marli, conte um pouco de sua trajetória profissional e pessoal, e comente desde sua motivação em cursar administração até sobre o que faz hoje em dia.

Minha inspiração para escolher o curso de administração foi meu pai, que era empresário. Ele me passou muitos conhecimentos, mas o aprofundamento técnico veio com o curso de graduação em administração que cursei na UFRN.

Quando estava próximo de concluir o curso, percebi que existiam diversos caminhos para a minha carreira: poderia atuar como administradora de empresa ou de uma instituição pública; empreender seguindo o exemplo do meu pai, ser consultora, desenvolver pesquisas ou atuar na docência. Como sempre tive afinidade com o ensino, optei por fazer um mestrado acadêmico em engenharia de produção, que possibilitou várias oportunidades como professora e pesquisadora.

Durante o mestrado, tive a oportunidade de conhecer a ciência de forma mais profunda e profissional, sempre tendo a percepção de conservar a visão de aplicabilidade da pesquisa. Em seguida ingressei no doutorado em administração, também na UFRN, que levou ao aprofundamento dos meus conhecimentos por intermédio da pesquisa.

Profissionalmente, na área de administração, fui professora em várias instituições; coordenadora de bacharelado em administração; consultora do Instituto Euvaldo Lodi – IEL/RN; conselheira e diretora administrativa e financeira do CRA-RN; coordenadora de pesquisa e inovação no IFRN e de cursos da UAB. Junto ao IFRN, desenvolvi várias pesquisas, fui revisora de alguns periódicos científicos e consultorias de projetos.

Atualmente sou professora de administração do IFRN, na diretoria acadêmica de Gestão e Tecnologia da Informação (DIATINF), no Campus Natal-Central (CNAT). Coordeno o grupo de pesquisa Estudos Organizacionais e Cooperação – EOC, no qual desenvolvo projetos na área de administração, com ênfase em logística e marketing, e presto consultorias para a Incubadora Tecnológica Natal Central (ITNC).

 

Além de atuar na área de logística, a senhora também é profissional de marketing. De que forma é possível conciliar essas duas áreas ou, em outras palavras, como é possível unir essas duas especialidades no seu dia a dia?

Existe uma estreita relação entre marketing e logística, e a integração deles apresenta efeitos positivos na coordenação entre demanda e suprimentos, além de melhorar o desempenho e o lucro. Como são áreas interfuncionais, só é possível encontrar soluções eficazes para a empresa quando são operadas de forma conjunta, apesar de existirem muitos gerentes que preferem operá-las de forma isolada.

O setor de marketing deve conhecer o cronograma das entregas, fazer comunicações pós-venda, passar as informações; trabalhar para minimizar os erros na emissão dos pedidos e informar as previsões de vendas. O setor de logística deve otimizar os depósitos para entregas no tempo estipulado, deve diferenciar entregas críticas e emergenciais das não críticas, minimizar a falta de pontualidade e indisponibilidade de frota e atender de forma responsiva a elevação nas vendas.

As atividades de uma influenciam diretamente no alcance dos objetivos da outra e vice-versa. Marketing e logística precisam trabalhar alinhados no lançamento de novos produtos, no desenvolvimento de embalagens, na definição do nível de serviço, na previsão de consumo, na redução dos custos, na entrega de valor etc.

Para facilitar a compreensão, as áreas da administração são estudadas inicialmente de forma isolada, mas todas operam de forma interligada, se complementam e se comunicam. Como costumo dizer em sala de aula: na prática, essas disciplinas são juntas e misturadas nas empresas; uma interfere no trabalho da outra.

 

 Quais são atualmente os principais desafios da logística no Brasil? No que estamos acertando e no que erramos?

Os desafios logísticos são muitos, em todo o mundo. Como serviço, a logística enfrenta diferentes gargalos mesmo em países desenvolvidos. Em relação ao Brasil, gostaria de destacar desafios em que não mudamos muita coisa e em outros que estamos avançando.

Logística reversa de medicamentos, por exemplo, é um ponto de destaque porque impacta diretamente em questões de saúde pública. Quando o manejo ou o descarte de medicamentos em desuso ou fora do prazo de validade são realizados de forma incorreta, tendem a contaminar o solo e a água de uma região.

A questão é que a população, de forma geral, não compreende o impacto para a saúde pública de jogar medicamentos nos vasos sanitários e nos lixos comuns de suas residências. Portanto, são dois grandes desafios: o primeiro é conscientizar a população de sua responsabilidade com o meio ambiente; e o segundo é integrar a cadeia de logística reversa de medicamentos, que precisa que operem de forma conjunta entre fabricantes, coletores e varejistas, a fim de que consigamos reduzir gradativamente o descarte incorreto dos medicamentos. Não é fácil, mas possível de ser melhorado o volume de coleta a cada ano.

De forma geral, os órgãos regulamentadores brasileiros estão atentos a essa demanda, mas a operacionalização regular desse processo envolve toda a população e precisa de campanhas de marketing que conscientize o cidadão. Como é difícil culpar e penalizar quem descarta de forma equivocada, as mudanças práticas ainda são muito discretas. Faz-se necessária uma campanha de marketing massiva nos principais veículos de comunicação, a fim de melhorar a compreensão e conscientização do cidadão que é um grande impulsionador das mudanças.

Em outra vertente, os desafios da logística reversa sejam de óleos lubrificantes, de eletrodomésticos, embalagens de agrotóxicos etc., costumam ser similares, ou seja, a dificuldade se encontra na falta de estrutura logística, na baixa conscientização da população e na carência de fiscalização. Portanto, a disseminação de uma economia circular pode ser uma solução para um desafio de resolução distante.

A economia circular busca mudar o comportamento de consumo, uso e descarte dos produtos, minimizando o impacto humano no meio ambiente. Isso propõe uma mudança de comportamento no consumo e no descarte, buscando um modelo sustentável para as novas gerações.

 Quais são as principais novidades ou tendências da logística para 2024?

A tendência da logística para 2024 e para as próximas décadas é o uso intensivo de tecnologia, seja no armazenamento ou na movimentação. Nesse contexto, as organizações precisam repensar suas atividades operacionais e a qualificação dos seus colaboradores, que precisarão de muito mais habilidades técnicas e criativas.

Estamos em um processo de revolução na forma como gerenciamos as informações, que é a alma da logística. Nessa linha, um aspecto recente é a implantação da Inteligência Artificial (IA) nas atividades da cadeia de suprimentos.

Coordenar a cadeia sempre esteve associado ao gerenciamento da informação de ponta a ponta, desde o processo extrativista até a venda ao cliente. Sendo que a IA além de operar com grande volume de informações, também identifica, aprende e organiza as atividades operacionais logísticas de forma simples e ágil. Tudo que sempre se buscou na logística a IA facilita alcançar.

As indústrias já estão integrando a IA com Sistemas Ciberfísicos, o que facilita a comunicação entre homens, máquinas e informações; melhoram as previsões de vendas; a reposição das gôndolas; o gerenciamento de estoques em tempo real; bem como minimizam o efeito chicote, o controle de veículos autônomos, a melhor seleção de fornecedores e minimizam as perdas. Mas apesar dos vários benefícios advindos dessa tecnologia, sempre existirão desafios na área de interface entre empresa e cliente, que muitas vezes buscam flexibilidade e adaptações ainda não programadas.

Essas mudanças tecnológicas e organizacionais também mudam a forma de fazer as entregas. A tendência é um processo de aumento no uso de carros autônomos e drones, especialmente para a última milha de entrega (Last-mile), que também tende a ser a mais complexa e cara, já que opera ‘porta-a-porta’.

Outra tecnologia para a última milha de entrega em desenvolvimento é o robô de entregas, que são veículos autônomos equipados com câmeras, sensores e sistemas. O robô pode chamar um elevador e verifica se é possível entrar, bem como planejar automaticamente a sua própria rota.

O robô recebe a demanda, ele mesmo planeja a rota de distribuição e entrega a mercadoria, enquanto o usuário recebe e assina a entrega por meio digital. Essas são apenas algumas das inúmeras inovações que visam resolver problemas logísticos reais e que em um futuro breve estarão disseminados no cotidiano da sociedade.

 

Quais são os seus projetos na área de marketing?

Trabalho com marketing e logística há mais de 20 anos. Atualmente, tenho trabalhado com um projeto nacional chamado de “IF Mais Empreendedor Nacional”, no qual um grupo de alunos presta consultoria em marketing para micro e pequenas empresas (MPES) norte-rio-grandenses e gera um plano de marketing como produto final desse serviço.

O projeto que coordeno, “Marketing e criação de valor para a competitividade empresarial”, visa propor estratégias de marketing ajustadas ao mercado local. A proposta deste projeto contempla ações que se iniciam com o diagnóstico empresarial, apontando a realidade e as potencialidades de cada empreendimento, o desenvolvimento de planos de ação e, na sequência, os alunos desenvolvem análises gerenciais e proposições mercadológicas.

E para acompanhamento das atividades desenvolvidas utilizamos indicadores de desempenho planejados em quatro perspectivas: perspectiva do usuário-comunidade externa; perspectiva dos processos; perspectiva da aprendizagem e perspectiva financeira.

Nessas propostas que são oferecidas nas consultorias em marketing, existem questões fáceis de mensurar como elevar as vendas. Mas tem coisas que não são fáceis de mensurar, como o fortalecimento da imagem da marca na mente da comunidade, e que também são desenvolvidos nesses nossos serviços.

Um aspecto que sempre oriento aos alunos é que “o consumidor busca experiências que gerem dopamina”. Com essa informação, viso estimular os bolsistas a proporem ações que gerem esse fenômeno para as empresas que estão atendendo.

Nesse quesito, é preciso inovar, pensar diferente do que as empresas do mesmo segmento estão pensando. É sempre desafiador e motivador esse projeto.

 

O que a senhora acredita ser tendência do marketing na atualidade?

Em relação às práticas mercadológicas com forte tendência para esta década, eu descrevo que é a de gerar confiança no mercado. O consumidor com mais acesso à informação tende a verificar se as ações da empresa são éticas, sólidas e credíveis.

A confiança na organização será cada vez mais valorizada, por isso as marcas devem gerenciar suas ações de forma transparente e eventualmente corrigir os seus erros de forma rápida. Nesse quesito, a comunicação das ações de uma organização deve ser associada à comprovação da veracidade dos fatos que a empresa divulga.

Em relação ao marketing de conteúdo, considerando a saturação de informações no mundo digital, o conteúdo puramente comercial não gera mais o mesmo interesse que antes, o que tem levado os influenciadores digitais a se reinventarem, e tendem a apresentar o seu próprio cotidiano, o seu estilo de vida. Por outro lado, essa tendência faz com que as empresas estejam antenadas ao perfil e valores que um influenciador possui e se esses aspectos se alinham à imagem que a marca quer se associar.

Os influenciadores precisam estar atentos ao estilo de vida que possuem e que vão impactar na sua capacidade de gerar e manter seguidores e criar vínculos com marcas organizacionais. Nessa direção, destaco um aumento no volume de influenciadores com foco nas suas etnias, como por exemplo, os influenciadores digitais indígenas.

 

E quanto às mudanças de comportamento do consumidor, o que tem sido estudado?

Uma coisa que não é nova no marketing é o desejo de compreender como a mente dos consumidores age diante da oferta de produtos e serviços para auxiliar no processo de tomada de decisão sobre como comercializar no mercado. Contudo, com as novas tecnologias, está cada vez mais fácil fazer pesquisas em “neurociência do consumidor”, que analisa a partir de dados neurais como se comporta a mente humana. Por exemplo, como as conexões neurais funcionam para a memória dos preços, a fim de impactar nas escolhas dos clientes.

A capacidade de conhecer como nossas mentes funcionam em um nível mais abstrato é o desejo das organizações, mas precisa ser acompanhado de aspectos éticos e regulatórios, a fim de trazer benefícios e minimizar possíveis usos indevidos ou manipulatórios dos consumidores.

Por fim, mas não menos importante, é o alinhamento do marketing com os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), da Agenda 2030, da ONU, que é uma tendência nesse e nos próximos anos. Eles têm norteado comportamentos tanto dos consumidores quanto das empresas em geral.

 

Quase todas as empresas investem em marketing, hoje em dia, e entendem a importância do ESG nas empresas. Nas áreas em que atua, cite alguns exemplos de greenwashing existentes na área de logística de que a senhora tenha conhecimento.

A sustentabilidade é um imperativo no mundo corporativo, especialmente pela sua capacidade de gerar vantagem competitiva, considerando que melhora a imagem e a reputação corporativa pelos impactos na dimensão social e ambiental que promovem na sociedade. Por outro lado, esse aumento no interesse pelas questões de ESG também gera um fenômeno que é o aumento no greenwashing, que é uma prática de marketing na qual instituições enganam os consumidores sobre o seu comportamento ambiental ou social.

Para o desenvolvimento das atividades logísticas, acaba sendo utilizado muito consumo de combustíveis fósseis, que geram significativas emissões de carbono, que contribuem para o efeito estufa. Esse ciclo precisa ser minimizado, o que impulsiona as pressões por cadeias logísticas verdes, ou seja, que substituam remessas em papel por eletrônicos, que modernizem a frota de transportes, que façam remessas em uma única entrega, que utilizem armazém verde (green warehouse), dentre outros.

Para ganhar prestígio no mercado, existem empresas que promovem o greenwashing. Há empresas, por exemplo, que dizem utilizar 50% de papel reciclado em suas operações, mas na prática não passa de 10% o uso de reciclados.

Existem, ainda, organizações que dizem fazer trabalhos sociais com números bem maiores do que o quantitativo real de atendidos. Outras usam frases em seus rótulos que não são verdadeiras, como “fornecimento sustentável”, sem maiores explicações.

E não para por aí: há empresas que usam falso rótulo de certificadora de produto orgânico, sem possuir a certificação. Tudo para elevar, de forma desleal, a sua imagem no mercado e vender mais.

O cerne do problema do greenwashing é a pouca transparência da informação. Portanto, é preciso que haja maior fiscalização dessas ações, seja por parte dos órgãos governamentais ou pelos consumidores, a fim de que penalidades sejam implementadas para quem prejudica os interesses da sociedade; esse processo permite construir e preservar legitimidade para empresas que são verdadeiramente social e ambientalmente corretas.