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Antigos dilemas sobre vestimenta e até higiene reaparecem no mercado de trabalho

 Por Rodrigo Miranda

No atual mundo corporativo, cada vez mais empresas estão reconhecendo a importância de um bom ambiente de trabalho, tanto para o bem-estar dos funcionários quanto para o sucesso organizacional. Mesmo assim, não é uma tarefa fácil, e a busca por tal meta pode causar dores de cabeça para todas as partes envolvidas.

Um exemplo ocorreu recentemente, quando uma instituição bancária se viu envolvida em uma controvérsia, ao divulgar uma lista de cuidados a seus funcionários que abordava assuntos como mau hálito, vestimenta e corte de cabelo. As diretrizes levantaram debate sobre os limites das políticas corporativas e os possíveis efeitos negativos em relação à individualidade e diversidade dos colaboradores.

Situações do tipo têm se repetido, e as empresas envolvidas argumentam que estabelecer padrões de vestimenta, higiene e aparência é uma forma de garantir a imagem profissional adequada ao ambiente de trabalho. Alegam, também, que tais políticas visam assegurar convivência harmoniosa e melhorar o contato com seus stakeholders.

Segundo Rachel Rua, diretora executiva da ‘iO Diversidade’ — um ecossistema de soluções em diversidade, equidade e inclusão para empresas —, a etiqueta social é um conjunto de regras e normas que estabelecem o comportamento socialmente aceito em diferentes ocasiões. Porém, destaca que o termo ‘boa aparência’ foi considerado critério velado para exclusão racial em anúncios de emprego, no Brasil, por isso deixou de ser utilizado.

“Quando se trata de construir regras ou normas, é importante levar em consideração qual tipo de estilo e estética estão relacionados a diferentes formas de expressão cultural: corte de cabelo, uso de maquiagem, vestuário e acessórios, tudo isso são elementos culturais. Restrições ao seu uso são por vezes mobilizadas para reafirmar uma estética e cultura branca normativa, em detrimento de outras, por isso é preciso cuidado para que as orientações não discriminem o outro, ou seja, aquilo que foge do dominante”, ressalta a diretora.

Legalidade

No Brasil, a lei trabalhista proíbe a adoção de critérios discriminatórios na seleção, contratação, promoção ou demissão de funcionários. Isso inclui fatores como gênero, raça, religião, orientação sexual e idade.

Na jurisdição brasileira, exigências relacionadas à aparência pessoal não estão especificadas, uma vez que não criariam um ambiente de trabalho hostil ou desigual. Se as exigências de vestimenta ou penteados de cabelo constituírem discriminação ou assédio, o funcionário pode recorrer a medidas legais.

Para Gracielle de Oliveira, coordenadora de Recursos Humanos do Conselho Federal de Administração, a aceitação da diversidade não é mais questão de escolha para as instituições, mas sim uma obrigação. Ela acredita que a expressão cultural vai ganhar muito mais força nos próximos anos.

“Apesar de ainda existir resistência por parte de muitas empresas — pois cada uma possui identidade, valores, princípios e crenças próprias —, elas vão ter de aceitar e se adaptar a essas mudanças. Se querem garantir o desenvolvimento do negócio, mesmo sendo a médio ou longo prazo, precisam ater-se à mudança de cultura, o que não acontece rapidamente”, diz Gracielle.

Flexibilidade

Empresas como Vivo (telefonia) e Accenture (TI) têm adotado políticas mais flexíveis e inclusivas em relação à vestimenta, incentivando a individualidade e a expressão pessoal dos colaboradores. Tais organizações compreendem que a diversidade de estilos e aparências contribui para a criatividade, inovação e motivação dos funcionários.

Para a diretora executiva da ‘iO Diversidade’, Rachel Rua, essa é uma conquista que deve ser valorizada. Ela considera que um profissional respeitado e valorizado traz inúmeros benefícios para o empreendimento, como no aumento da produtividade.

“Aprender a lidar com a diversidade é um processo, e as empresas, de maneira geral, têm se mobilizado para isso. Sensibilizações, letramentos contínuos, criação de grupos de afinidade e estar aberto ao debate são formas de propiciar o desenvolvimento de um ambiente inclusivo e respeitoso”, diz Rachel Rua.

Em instituições públicas o tema também tem ganhado nova dimensão. No CFA, Gracielle de Oliveira destaca que foi criado o programa “Convivência Saudável” que visa promover maior respeito à diversidade e criar um ambiente de trabalho mais saudável. Além de programas de esclarecimento sobre o tema, na autarquia foi criado o canal “Fale com o RH” para receber denúncias anônimas e foi atualizado o código de ética.

“Precisamos ter em mente que o trabalho precisa ser digno, sustentável, seguro e saudável, por isso instituímos um plano específico que combate todo tipo de assédio e desrespeito dentro da autarquia. Em face da convivência diária e integrada, que temos no ambiente de trabalho, queremos despertar em todos a importância da boa convivência e do respeito ao ser humano, em qualquer situação”, finaliza.