Especialistas são unânimes: não existe atividade 100% segura. Para garantir o bom funcionamento da mineração é preciso trabalhar com gestão de risco
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O caminho para minimizar os impactos em situações de crise é sempre o mesmo: investir na sua prevenção e gerenciamento. É o que garante o administrador Mauro Lúcio Batista Cazarotti que tem ampla experiência na gestão de grandes obras e eventos, tanto na esfera pública quanto privada.
Cazarotti é coordenador dos Cursos de Logística e Marketing da Faculdade de Gestão Woli (FGW) e do Curso de Administração da Faculdade Integrada Brasil Amazônia (FIBRA). Com toda esta bagagem, ele já teve a oportunidade de ver de perto problemas graves acontecerem em diferentes campos de atuação.
Para o especialista é preciso criar gabinetes de crise, que antecipem a prevenção e as abordagens necessárias, caso acidentes aconteçam. “Quando esta atitude é tomada depois [do fato crítico], atrasamos muito os resultados. Identificar os problemas e gerenciar as informações vai direcionar melhor os trabalhos. É possível saber com precisão o que fazer numa situação de acidente. Mas, para que isso ocorra de maneira efetiva, é preciso ter pessoas capacitadas para gerenciar estes riscos”, explica.
“As pessoas, de modo geral, querem que as atividades não tenham falhas. Isso não existe. Precisamos de administradores aptos a gerenciar riscos e que os amenizem para o mínimo possível”, afirma.
De acordo com Cazarotti, o que mais preocupa é que não existam muitos gestores que conheçam estes processos. “Hoje, o profissional capaz de fazer a gestão de risco, que vai analisar tanto os riscos humanos quanto os desastres naturais, tem que se antecipar aos problemas. E esta gestão pode ser feita por um engenheiro, médico, ou qualquer outro profissional, desde que ele tenha preparação profissional e técnica na área de gerenciamento”, garante.
Ele afirma que há formação internacional para área de gerenciamento de projetos e de riscos e certificações que capacitam profissionais a atuarem na área. “Mesmo assim o que vemos é agentes públicos e privados ‘batendo cabeça’. É preciso montar um gabinete de crise que desenhe um escopo inicial de atuação; trace um planejamento; detalhe o desenvolvimento das ações; corrija as falhas e, com isso, diminua os riscos. Com um plano deste traçado e posto em prática, todas as consequências causadas por grandes catástrofes seriam diminuídas”, explica.
Não foi acidente – Para Sérgio Medici Eston, professor de Engenharia de Minas da Universidade de São Paulo (USP), acidentes como o de Brumadinho ou Mariana não podem ser considerados como fatalidade. “Podemos classificar como fatalidade coisas como maremotos, tempestades ou qualquer outra manifestação da natureza ou climática. Fora isso, toda tragédia que possa ocorrer tem o dedo humano. Pode demorar um pouco, mas assim que as investigações forem concluídas, vão descobrir que há erro humano nestes episódios”, afirma.
Segundo Eston, a administração das mineradoras coloca em primeiro lugar o lucro, os resultados financeiros. “Acontece que, para certas coisas, não há como cortar custos porque isso afeta diretamente vidas, de funcionários e da comunidade”, diz. Para ele, faltam entre os altos escalões das companhias engenheiros, que estão mais focados no aspecto técnico da empresa. “Este tipo de negócio não pode ter uma administração fria, focada exclusivamente na lucratividade. É preciso garantir aspectos de segurança, focando na manutenção e controle de riscos. Depois que isso estiver sob controle, daí sim é possível pensar no mercado de competição”, avalia.
Por outro lado, as empresas precisam mudar suas culturas a fim de minimizar problemas como este. Para o professor da USP, o foco do gerenciamento deve ser nos riscos e não nos lucros. Exemplos bem sucedidos já estão sendo colocados em prática. Sérgio cita países como Austrália e Canadá, que cada vez mais estão incorporando às companhias programas que colocam altos gestores no chão da empresa – conceito conhecido em inglês como ‘Boots on For Safety’ –, para ver de perto a realidade da segurança e os riscos de acidentes.
Na Austrália, as mineradoras adotam o Global Mineral Industry Risk Manegement. “É obvio que o risco nunca vai ser zero. Trata-se de uma atividade que sempre apresentará riscos. Mas lá na Austrália, por exemplo, com a adoção deste tipo de programa, os acidentes não acontecem com tanta freqüência e nem com a dramaticidade vivida no Brasil”, afirma Eston. Ele ainda defende que das mais de 24 mil barragens existentes no país, pelo menos uma dúzia deveria receber atenção direta e em curto prazo para não repetir o que houve em Brumadinho.
Transparência – “Estes dois desastres e outros que já houve antes, mostram que é preciso mudar a gestão das mineradoras: a engenharia tem que ter mais participação na tomada de decisões porque atualmente a prioridade não é a segurança. Parece que a preferência é o resultado financeiro”. A afirmação é do professor Alberto Sayão, engenheiro geotécnico e professor de engenharia civil da PUC-Rio.
Para ele, vários indícios demonstram que algo estava errado na barragem de Brumadinho, tanto é que novos equipamentos de segurança estavam sendo instalados. “Em todas as barragens do país é preciso ter um engenheiro responsável por emitir a Declaração de Condição de Estabilidade (DCE), que atesta a segurança da barragem. Acontece que, muitas vezes, quem gerencia o negócio não dá muita bola para aspectos técnicos. O engenheiro responsável por emitir uma DCE precisa ter comunicação direta com quem toma decisões e esta pessoa deve colocar o aspecto de segurança em primeiro lugar, antes mesmo do lucro. Mas pelo que temos visto, não é esta a realidade nas mineradoras”, lamenta Sayão.
Um dos principais erros cometidos depois de acidentes como estes é culpar a mineração como um todo. O professor da PUC-Rio cita o caso de Mariana, que há três anos viveu algo semelhante, porém de menores proporções. “A cidade de Mariana sofre até hoje com a interrupção das atividades da Samarco porque quase toda região dependia diretamente das operações da companhia. Uma mineradora como esta gera emprego, paga impostos. Sou extremamente favorável à mineração, contanto que seja feita com cuidado ao meio ambiente e a sociedade”, afirma.
José Balbino Figueiredo, vice-presidente da regional Vale do Jequitinhonha da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemig) e presidente do Sindicato das Industrias de Rochas Ornamentais do Estado de Minas afirma que Minas Gerais é o principal estado do país quando o assunto é mineração. “Com exceção do petróleo, extraímos todo o tipo de minérios, sejam eles ferrosos, não ferrosos, minerais, gemas”, afirma. Com isso, a mineração é responsável por 30% da economia no estado.
“Temos uma legislação ambiental que já é bem restritiva. Fora isso, há varias frentes que se opõem à mineração e, assim, se opõem ao desenvolvimento do estado de Minas. Após catástrofes como essas, temos uma proliferação de inverdades que fazem com que as pessoas acreditem em boatos. É isso que nos preocupa”, pondera Figueiredo.
Ele dá o exemplo de Mariana que, mesmo com a interrupção das atividades da Samarco, ainda vive da mineração, que é o principal produto econômico do município. “Os valores de impostos que deixaram de ser recolhidos da Samarco neste período, por exemplo, permitiriam que o governo do estado estivesse com a folha de pagamentos em dia”, afirma.
Mudança – Para Sayão, depois de acidentes como o de Brumadinho ou Mariana, é preciso tirar lições. “É preciso investigar muito bem tecnicamente, identificar as causas e abrir as conclusões para a comunidade em geral, para a academia. Hoje, as pessoas que trabalharam em Mariana, por exemplo, que fizeram os laudos, não podem falar sobre o que descobriram porque o contrato é sigiloso. Isso é muito errado. O poder público precisava tomar as rédeas, formar uma comissão de investigação antes mesmo da empresa nomear a sua. E quando os relatórios estivessem concluídos, isso seria posto a público. Se não aprendermos com o erro, estamos arriscando errar novamente”.
Hoje, as empresas causadoras dos acidentem contratam as consultorias que farão as investigações e emitirão os laudos finais. E tudo isso fica numa caixa preta. “Está tudo errado. É preciso mudar urgente para que a sociedade entenda o que aconteceu e não simplesmente tenha medo de barragens. As acéquias não são culpadas. Elas são necessárias neste tipo de negócio e é preciso lidar melhor com as obras de engenharia, estudar os acidentes e aprender com eles para não repeti-los”.