Inovação, Tecnologia e Gestão
Pesquisador e empresário, Arthur Igreja fala sobre Inteligência artificial, o impacto dela no mercado de trabalho e sua visão sobre o futuro das profissões
Por Leon Santos
Mestre em administração e especialista em ‘Tecnologia, Inovação e Tendências’, Arthur Igreja é o entrevistado especial da RBA 154. Conhecido como pensador e três vezes palestrante na TEDx — uma das conferências mais importantes e inovadoras do mundo nas áreas de tecnologia, entretenimento e design —, ele também é mestre em ‘Negócios Internacionais’ pela Universidade Georgetown (nos EUA) e autor de livros como “Conveniência é o Nome do Negócio” e “Rock in Rio: a Arte de Sonhar e Fazer Acontecer”.
Membro da fundação ‘Grupo O Boticário’ e com atuação profissional em mais de 25 países, Igreja é pesquisador pela FGV/RJ e cofundador da plataforma de inovação “AAA”. Não raro, é figura cativa em entrevistas quando o assunto é tecnologia: não por ser da área, mas por acompanhar os impactos que ela poderá causar ao mundo dos negócios e ao mercado de trabalho nos próximos anos.
Nas linhas a seguir, Arthur Igreja falará sobre ‘inteligência artificial’, o posicionamento de Elon Musk sobre o tema e muito mais. Dois dos pontos altos da entrevista são a lembrança sobre o que se pensava no fim da década de 1990 sobre a internet, e o que ela é de fato hoje, e como a IA poderá redefinir os rumos do mercado de trabalho muito em breve.
RBA – A Inteligência Artificial, em especial o famoso ChatGPT, veio com tudo nos últimos seis meses. Como essa tecnologia influenciará o mercado de trabalho, e o que as pessoas devem saber sobre esse novo cenário?
O ChatGPT já está impactando o mercado de trabalho. Não só o ChatGPT, mas toda essa gama de ferramentas de inteligência artificial generativa, do ponto de vista da produtividade e na forma como as atividades são feitas. Um desenvolvedor de software pede, por exemplo, ajuda a uma ferramenta de IA, e ela consegue terminar o código, revisar, fazer uma série de tarefas. Tem estudo que demonstra que um desenvolvedor de software se torna até 50% mais produtivo com IA. Imagina alguém que não utiliza competindo com quem utiliza, e isso muda também a forma como as atividades são feitas. Se alguém está desenvolvendo um texto, a pessoa lia diversas vezes — isso na velocidade humana—, pesquisaria as informações usando um buscador como o Google, para somente depois fazer a produção, a síntese e a correção. Hoje ela pode usar uma ferramenta como essa para ter uma versão inicial e, assim, fazer a edição e ajustes necessários. Esse tipo de ferramenta muda muito a forma como as atividades são feitas e traz um salto de produtividade; por consequência, é um avanço de competição no mercado de trabalho que é bastante importante.
Alguns megaempresários e cientistas, como Elon Musk, fizeram uma espécie de manifesto para frear a difusão da IA que incluía motivos de segurança e preocupação com o bem-estar social, com medo de haver demasiado desemprego mundo afora. O que você pensa sobre esse manifesto?
O manifesto é bastante controverso, especialmente considerando o que ocorreu na semana seguinte, com as próprias empresas do Elon Musk. A Tesla é uma das maiores utilizadoras de IA no mundo. Todo o sistema de direção autônoma, que ele mesmo já afirmou em inúmeras ocasiões ser o grande diferencial da empresa, é basicamente IA sobre rodas. E também o fato de ele advogar nesse sentido para semanas depois anunciar uma empresa sua para ser concorrente do ChatGPT é mais estranho ainda. Tem uma série de questões éticas e morais que compactuo e que são muito preocupantes. Não acredito que a grande questão seja o próprio desemprego. O que acontece é uma substituição ou realocação de tarefas. E não vemos necessariamente o desemprego, mas o subemprego. Ou seja, as pessoas que não estiverem incorporando essas tecnologias se tornam menos competitivas, menos produtivas e serão menos remuneradas. Quem não usa, vai produzir menos e, por isso, terá menor remuneração. Não vejo que a grande ameaça seja, necessariamente, o desemprego em si ou a substituição, mas um grande contingente de pessoas executando tarefas e precariamente remuneradas.
Além da inteligência artificial, outras tecnologias disruptivas pouco conhecidas pelo grande público têm ganhado o mercado. Qual delas mais te impressiona, e como elas impactarão tanto o mercado de trabalho quanto a vida das pessoas em suas casas?
A meu ver, o grande destaque seria a inteligência artificial mesmo, pois ela tem grande potencial de aplicação e impactos muito profundos. Muito se discute sobre como definir essa inteligência artificial, e também é difícil estabelecer um marco pontual do tipo ‘faltam essas features (perfis ou características)’ e ‘evidências’, ou quanto tempo falta? Como um apaixonado por tendências e novas possibilidades, já vi muita coisa decolar como um foguete e não ir a lugar nenhum. Parece que daquela vez ia, mas não foi. Então, particularmente, destacaria de tudo isso o hidrogênio verde, que não é uma questão de futurismo extremo, mas de escala, implantação e foco. E isso pode trazer impactos, por exemplo, em um país como o Brasil, a possibilidade não só de ter uma matriz cada vez mais verde, porém ter uma transição energética, bem como novas questões geopolíticas. Com o hidrogênio verde, é possível produzir amônia, e com amônia se produz fertilizantes. O Brasil é um dos maiores consumidores globais e depende, fundamentalmente, da Rússia e de outros países. Os avanços tecnológicos conseguem desencadear questões geopolíticas.
Qual ou quais cenários você antevê nos próximos meses ou anos para o mercado de trabalho? É possível pensarmos na Revolução 5.0, em que se discute entre outras coisas o que acontecerá com a grande massa de desempregados que não se adaptou às novas tecnologias?
O que está acontecendo agora, porém em um espaço de tempo mais curto do que ocorreu em outros ciclos, é vislumbrar o que ocorreu com os mercados que foram frontalmente impactados pela internet. Um exemplo é a produção jornalística de veículos como jornais e revistas, pois houve uma grande digitalização da informação e isso foi um impacto muito frontal. Outros setores tiveram ondas um pouco mais lentas ou mais suaves, porém a internet impactou menos ou impactou mais tarde. Voltando ao tema da IA, só que para uma gama gigantesca, até então se falava muito que os trabalhos protegidos estavam ligados à criatividade, à economia do conhecimento e até mesmo ao desenvolvimento de software. E tudo isso está caindo por terra. São mudanças muito profundas, mas não acredito nesse apocalipse do desemprego. É uma substituição de tarefas e a grande mudança é que agora é uma questão muito individual. Cada vez mais, a pessoa vai ter de se recapacitar, de entender as tecnologias, analisar dentro da área em que ela atua, como é que poderá se beneficiar disso. Tem menos a ver com graduações, pós-graduações, títulos e afins, e mais a ver com a pessoa ter de se recapacitar. Assim, temos um problema considerável, pois, historicamente, as pessoas não são boas nisso. O fato é que todo mundo vai ter que passar por um retrofit bem pesado com tudo que está acontecendo e nem todo mundo vai conseguir endereçar isso. Não é a questão de um desemprego massivo, mas de muitas pessoas ficarem deslocadas, menos relevantes.
Qual link você faz entre todos os fenômenos que estão acontecendo, que envolvem tecnologia e sociedade? O que nós, brasileiros, podemos fazer para nos adequar a este novo cenário?
O que liga todos esses temas, que faz o link entre tudo isso é a Educação. A grande questão é que temos empresas, empresários, pessoas que já entenderam para onde tudo isso vai e estão desenvolvendo e turbinando os negócios. Porém, não sabemos quantas pessoas vão conseguir acompanhar esse delta. Com a chegada da internet, muitos falavam na descentralização e democratização de tudo. E passados 25 a 30 anos, o que vemos é uma concentração tecnológica absurda. Muito se falava sobre essa primavera descentralizada que a internet traria. Para algumas questões é o que aconteceu com os pequenos e-commerces, os pequenos produtores de conteúdo, os pequenos negócios com ferramentas digitais para fazer suas vendas, mas continuam sendo ‘pequenininhos’. Por outro lado, é só ver os números da Apple e o que ela representa, por exemplo, para a bolsa americana. Ou seja, mais de 100 anos depois estamos vendo Vanderbilte, Carnegie e Rockefeller em uma reedição tecnológica. E ao que tudo indica, na era da IA não será muito diferente.