Por Patrícia Portales

 

Evidências que fundamentam a tomada de decisões em favor do bem-estar e desenvolvimento de uma região. Assim são interpretados os dados coletados no contexto das cidades inteligentes. O digital como parceiro ideal no delinear de projetos de gestão.

O estudo “Big Data para o Desenvolvimento Urbano Sustentável”, feito em 2021 pela Fundação Getúlio Vargas, explica a contribuição da tecnologia na captação de dados da vida urbana e identificação de carências. Informações viram insumos para as Administrações.

Tendência já habitual entre países da Europa, no Brasil, o boom veio durante a pandemia do novo coronavírus. O big data fez-se aliado para direcionar gestores à melhor resposta, com mitigação das consequências quando possível. Mecanismo completo e útil para repensar, por exemplo, a infraestrutura dos municípios.

Ao imaginar as linhas que demarcam o gigante por natureza, temos o encontro com diferentes composições demográficas. Um olhar para nossas cidades expõe como o crescimento urbano rápido e desordenado formou comunidades variadas. Do mangue às favelas, das palafitas ao asfalto. Um ponto une essas diferenças: o pouco espaço que compartilham sobre o solo.

Estudo de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em novembro de 2022, identificou que apenas 0,54% da área total do Brasil é urbanizada. Imagens de satélite registraram residências, ruas e edificações próximas o suficiente para permitir relações de vizinhança.

O aglomerado mostra-se mais voltado à faixa litorânea e às margens de rodovias. Gerente de Observação da Cobertura e Uso da Terra do IBGE, Manuela Alvarenga revela ser influência da colonização, muitas vezes ocupando estruturas e caminhos de povos indígenas pelos cursos de rios.

“Nos dias de hoje, adensamentos populacionais ainda caminham junto com a expansão de infraestruturas de transporte, energia e serviços, muitas vezes surgindo ao redor de rodovias, e, em outros casos, impulsionando a criação das mesmas.”

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A Organização das Nações Unidas confirma: temos mais pessoas em menos espaços. Segundo a entidade, em 2021, 55% da população mundial vivia em áreas urbanas. A estimativa para até 2050 é que sejam mais de 6 bilhões, 70% da totalidade. A entidade conta com uma Plataforma Agenda Urbana, com ações que adequem o desenvolvimento de cidades aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Para o pesquisador do Centro de Estudos em Regulação em Infraestrutura da FGV, Luiz Firmino, a concentração não é, em si, um problema. Ocupar não é um caminho. Em tempos de mudanças climáticas, o equilíbrio de áreas protegidas e também de terras indígenas é necessário para a captura de carbono, a regulação de chuvas e a manutenção do ecossistema.

A disfunção, segundo Firmino, está na falta de Planejamento Urbano mais voltado às pessoas. É sair do modelo fordiano, centrado nos automóveis, e pensar em qualidade de vida.

“Ou seja: com boas calçadas, praças e equipamentos públicos, que facilitem o acesso a serviços do cotidiano, dentro de um conceito em que as pessoas tenham prazer e possibilidade de fazer as coisas a pé, ou de bicicleta, com ciclovias e estacionamento adequados para estas.”

Luiz Firmino chama a atenção para a governança continuada e para compatibilização entre preservação e desenvolvimento. Pode ser por meio de ferramentas como o Zoneamento Ecológico e Econômico (ZEE). Integrar setores para, em 25 ou 40 anos, colher resultados.

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A Administração também conta com ferramenta específica para isso. O Índice de Governança Municipal (IGM-CFA). Com mais de 2,4 milhões de dados, é possível analisar finanças, gestão e desempenho de cada um dos 5.570 municípios, inclusive do Distrito Federal. Tudo à mão de todos os cidadãos.

Aglomerados de cidades com vários municípios dentro permitem o surgimento de serviços mais especializados que nem sempre estão disponíveis em cidades do interior. Nisso, há pontos positivos e negativos.

“Vejamos: se a cidade dispõe de áreas com boa infraestrutura de saneamento, transporte e acesso a internet, por exemplo, isso pode ser otimizado com maior concentração e consequente barateamento desses serviços. Empresas são atraídas e há maior oferta de emprego”, explica Firmino.

O problema passa a ser o custo de vida alto comum das regiões bem estruturadas. Fator que empurra os mais pobres para zonas periféricas, muitas vezes sem serviços públicos de qualidade.

“No Brasil, para além de todos os aspectos apontados, precisamos ainda de especial atenção na busca de suprir o déficit habitacional, a fim de estancar o processo de ocupação informal do território, extremamente perverso, que espalha a mancha urbana, criando periferias com assentamentos subnormais distantes e com infraestrutura precária, ou mesmo inexistentes.”

O bom planejamento urbano é capaz de sobrepor saneamento, habitação e mobilidade, que moldam o território. Mas as vocações econômicas precisam estar contempladas para, de fato, resultar em ganho e melhoria na qualidade de vida.