Movimentos são responsáveis estão associados à rotatividade e serve de alerta para empresas
Por Leon Santos
Dois termos têm sacudido o mercado de trabalho nos últimos meses. Com mais de 17 milhões de acessos em diferentes redes sociais, a hashtag “Quiet Quitting” dá uma amostra do interesse de trabalhadores e gestores de recursos humanos, de todo o mundo, sobre o termo.
Confundido por vezes com sua tradução literal (do inglês, algo como demissão silenciosa), quiet quitting é na verdade um movimento que tem como premissa ‘não se matar de trabalhar’. Também pode ser interpretado como trabalhar apenas o suficiente para não perder o emprego ou, dentro da cota de produtividade de cada setor ou departamento.
O outro termo é o antiwork. Segundo a administradora e especialista em ‘Gestão e Desenvolvimento Humano’ Elenise Rocha, nele as pessoas costumam rechaçar as formas de organização do trabalho, o que significa contestar as formas de trabalho da atualidade e, eventualmente, isto pode trazer distúrbios dentro das organizações.
“Historicamente, a visão do empregado e do empregador sempre foram diferentes e movimentaram muitas discussões e disputas históricas por direitos trabalhistas. Essa discussão é permeada por símbolos que criam o sentido e o significado do trabalho para o indivíduo, onde as regras de troca de investimento não se deixam assim separar”, ressalta Elenise.
Motivações
Tanto o antiwork quanto o quiet quitting são conceitos que já existiam antes de 2020, entretanto, ganharam mais notoriedade durante a pandemia. Ambos questionam máximas empresariais como “vestir a camisa da empresa”, ser workaholic e doar-se demasiadamente ao local em que trabalha sem a devida valorização das organizações.
O antiwork busca melhores condições de trabalho, especialmente para classes trabalhadoras mais braçais — que ficaram ainda mais expostas durante a pandemia de Covid-19. O motivo de querer revolucionar o mercado ocorre em razão de as necessidades e desejos de gerentes e corporações estarem sempre acima ou à frente do bem-estar e interesse dos trabalhadores, o que na visão dos seguidores do conceito gera abusos, sobrecarga de serviço e má remuneração.
Já o quiet-quitting prega que o colaborador se limite a executar apenas as tarefas estritamente necessárias — previstas na descrição de seus afazeres, que constam no contrato de trabalho. Durante a pandemia, a morte de familiares e conhecidos provocaram reflexões em milhões de trabalhadores que passaram a repensar o sentido de seus trabalhos e vidas: como exemplo, se valeria a pena passar tanto tempo nas empresas, em vez de passar mais tempo com a família ou dedicar-se a atividades lúdicas e reabastecedoras de energia.
A sobrecarga de trabalho, confirmadas pelo aumento do número de casos de estresse e burnout (esgotamento físico e mental), foi o principal motor para tais movimentos. E o que era tema nos departamentos de RH apenas se intensificou durante a pandemia, quando as pessoas aumentaram seu ritmo laboral.
“Nesse contexto aparece a abordagem de abandono silencioso que denota uma atitude ligada à necessidade de manter boa saúde mental. Os trabalhadores se viam muitas vezes esgotados e passaram a estabelecer limites entre a sua relação com o trabalho e a vida pessoal”, diz Elenise.
Frustração
O doutor em administração e pesquisador da FGV, Eduardo Marostica, destaca que o antiwork e o quiet quitting são mais encontrados entre pessoas das gerações Y (nascidos entre 1980 e 1990) e Z (nascidos entre 1995 e 2010). Segundo o pesquisador, eles teriam menor apego ao emprego e seriam muito mais voltados ao dinamismo, por isso tendem a romper mais rápido as relações de trabalho.
A falta de perspectiva profissional também fez com que tais movimentos aumentassem no mundo, na visão do administrador. Para ele, as mudanças tecnológicas e sociais dos últimos anos também possuem relação com os fenômenos atuais.
“O mundo já apresentou fenômenos parecidos (de contestação sobre as relações de trabalho), em outras gerações, porém, o principal gerador da mudança é o fator humano e não corporativo. São as pessoas que têm mudado, por isso creio que quando o ritmo de mudança do mercado for maior que aqueles praticado dentro das organizações, o fim (da empresa) está próximo”, pontua.
Marostica destaca que a maioria das empresas ainda possui um modelo hierárquico envelhecido e ultrapassado, sem meritocracia ou protagonismo. Por outro lado, as gerações digitais diante de realidades estagnadas encontram frustração em ambientes pouco evolutivos, de acordo com o pesquisador.
Já para Elenise Rocha, ao analisar a relação entre as dinâmicas do mercado de trabalho e os movimentos sociais emergentes, é possível encontrar uma possível explicação sobre porque muitos trabalhadores estão desmotivados, estagnados e experimentam um sentimento generalizado de insatisfação e injustiça. Ela diz que a relação com o emprego mudou e ainda passa por transformações que geram inúmeras avaliações sobre o sentido e significado do trabalho.
“Somos constantemente influenciados por inquietações que nos fazem refletir a respeito de elementos importantes como o tempo de disponibilidade para a empresa e a preservação da privacidade. Isso aumentou na pandemia e existe, ainda, o senso de propriedade, de tempo e espaço, bem como a abdicação do trabalho sem culpa, em detrimento ao lazer, à família e sobre preservar nossos valores éticos e morais”, sentencia.