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Juridiquês para quê?

Mercado reage e legislativo também. Caso aprovado, PL pode simplificar linguagem jurídica e permitir melhor entendimento de contratos.

Por Paulo Melo

Quem nunca enfrentou dificuldades para interpretar a linguagem jurídica, em acordos ou contratos de serviços, seja pela quantidade de páginas ou pelo “juridiquês” utilizado na escrita? O vocabulário excessivamente técnico, com a utilização de palavras rebuscadas, jargões específicos e termos e expressões em latim produz um discurso de exclusão e, como consequência, praticamente apenas aqueles que integram a área jurídica são capazes de compreender e interpretar os conteúdos em sua plenitude.

Para a doutora em ‘Estudos da Linguagem’, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Olívia Freitas, em tais situações há um abismo cultural e linguístico que alimenta a desigualdade social, desprestigia as camadas mais vulneráveis e impede a interação entre as partes. Por isso, ela diz que por vezes tem a impressão de que o documento foi redigido para não ser entendido.

Alguns profissionais utilizam a linguagem jurídica de forma inadequada, monopolizando o conhecimento e gerando uma relação hierárquica de poder. Porém, muitas vezes a incompreensão gerada pela incomunicabilidade leva à rejeição (da empresa)”, afirma a pesquisadora.

Não por acaso, uma nova onda de simplificação da linguagem e do tamanho dos contratos tem surgido no Brasil. Um exemplo vem da empresa de telefonia TIM que reduzirá para apenas duas páginas o calhamaço de informações contratuais dos planos de celular, que no passado chegou a inacreditáveis 40 páginas.

“Ninguém lê essa quantidade de documentos, na posição de consumidor acho uma tremenda maldade. O consumidor diz ‘não foi isso que eu contratei, não entendi dessa forma, esperava que a fidelidade terminasse em tal data’. Está claro, para nós, que as demandas têm relação direta com o não entendimento do contrato”, revelou o diretor-jurídico da TIM, Jaques Horn, em entrevista ao Jornal Valor Econômico.

Mudança

O novo contrato da TIM terá linguagem adaptada ao seu público, com mudanças no tamanho da fonte do texto e ajustes para facilitar a compreensão. Conhecido nas áreas de Comunicação e Direito como “visual law”, o novo formato adotado pela operadora trará conteúdo mais simples, objetivo e com aparência mais atrativa.

O visual law utiliza elementos visuais e linguísticos para tornar o conteúdo mais claro e compreensível, além de transformar a informação em algo que qualquer pessoa seja capaz de entender: com documentos mais claros, interativos e que despertem interesse. As técnicas empregadas são variadas e envolvem desde a utilização de infográficos, fluxogramas e storyboards, até gamificação e pictogramas.

“Esse formato facilita a interlocução e permite a inserção de elementos visuais que, algumas vezes, comunicam melhor que palavras. O uso de planilhas, linhas do tempo, ícones, links e QR Codes, por exemplo, auxiliam em uma comunicação direta e objetiva”, analisa a professora Olívia Freitas.

Adaptação

Para especialistas da área jurídica, a linguagem do texto jurídico necessita de ponderação, o que não significa a extinção de suas terminologias e conceitos específicos. Quando expressões, palavras e conceitos podem ser retirados, sem prejuízo do significado do texto, acontece a simplificação da mensagem.

Segundo o procurador federal Daniel Catelli, é necessário que a linguagem seja utilizada de maneira precisa e cirúrgica, para que não sobre ou falte informação – seja qual for o documento jurídico. Por vezes, o conteúdo pode ser simplificado em termos linguísticos e também no tamanho ou no número de páginas do documento.

“A forma como o direito é produzido não contém apenas dificuldades relativas ao popular juridiquês, que é dispensável em praticamente todos os casos. Há também textos com frases em ordem indireta, interpolações e outros artifícios que apenas são compatíveis com as produções literárias, jamais com contratos”, analisa Catelli.

Menos é mais

O que antes era considerado ignorância do saber legal, hoje passa a ser visto como barreira ao exercício do direito. A simplificação da linguagem jurídica tornou-se uma exigência e virou pauta na Câmara dos Deputados – com o Projeto de Lei nº 3326, de 2021.

Caso aprovada, a nova regra determina que sentenças judiciais e também contratos devam ser elaborados em linguagem coloquial, sem termos técnico-jurídicos, de modo a serem compreendidos integralmente por qualquer pessoa. O PL estipula, ainda, que textos ou expressões em língua estrangeira, tal como o latim, devem ser complementados com tradução.

“A desburocratização da linguagem é um ponto fundamental para proporcionar melhor prestação de serviços, inclusão e garantir direitos. Sob o ponto de vista da administração, a objetividade e simplicidade da linguagem podem acarretar, inclusive, menores custos indiretos, já que há uma tendência de redução de litígios”, conclui Catelli.