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Reduflação, no atacado e no varejo

Fenômeno toma conta dos supermercados e causa dúvidas e estranhezas a quem não conhece o novo formato.

Por Leon Santos e Maria Natália Terra

Com o mundo ainda em recuperação relativa à pandemia, e a atual guerra entre Rússia e Ucrânia e suas consequências econômicas, surge um novo fenômeno que tem preocupado especialistas e a população em geral: é a reduflação — processo em que os produtos diminuem de tamanho ou de quantidade enquanto seu preço se mantém inalterado ou aumenta.

A estratégia de produção e venda é polêmica e esconde elementos essenciais que impactam na hora da escolha nas gôndolas. Entre as alterações podem estar desde perda de gramatura e volume até a utilização de matéria-prima de baixa qualidade.

Segundo o professor do instituto de pós-graduação Coppead/UFRJ, Carlos Heitor Campani, o nome reduflação é derivado das palavras ‘reduzir’ e ‘inflação’. Ele explica que a inflação consiste em reduzir o poder de compra dos consumidores com a mesma quantia em dinheiro que outrora era possível adquirir mais produtos.

“Só que nesse caso, ao invés de aumentar o preço do produto, você reduz a quantidade. Com isso, da mesma forma que acontece na inflação tradicional, você reduz o poder de compra do cidadão (inflação), por que ele está pagando mais ou o mesmo preço de uma quantidade outrora maior, mas desta vez levando menos”, explica.

Motivo

A redução da quantidade do produto pode estar associada a três diferentes razões, segundo Campani. A primeira é posicionar-se como um produto premium ou de qualidade superior, especial.

A segunda razão está relacionada ao aumento do lucro de forma indireta — ao colocar menos insumos nos produtos finais, a empresa economiza. Já a terceira, e mais inusitada, é que antes da pandemia muitas marcas já praticavam a reduflação, e com isso, empresas que ingressaram posteriormente no mercado brasileiro perceberam que perdiam em competitividade e resolveram aderir à prática.

Campani exemplifica ao citar o caso da cerveja Heineken, que antes da pandemia era uma das poucas marcas que ofereciam o produto com 350 ml. No entanto, com a nova dinâmica do mercado, a empresa diminuiu a quantidade para 330 ml sem abater o preço proporcional à diminuição do líquido.

“Então, ao invés de você aumentar o preço de seus produtos, você pode reduzir o volume, mas isso dependerá da empresa — já que ao reduzir volume, você tem um custo adicional com embalagem e comunicação para o seu consumidor. Tudo isso implica em gasto, e a empresa tem que avaliar o que é melhor: se é aumentar o preço mantendo a quantidade ou reduzir o seu volume”, explica.

Efeitos

De acordo com o professor de ‘Economia Internacional’ da faculdade de administração da Universidade Federal de Goiás (UFG), Edson Vieira, especialmente após o início da pandemia de Covid-19, com a diminuição ou não da gramatura dos produtos, o efeito visto nas lojas e supermercados foi o de inflação.

Vieira explica que o mais preocupante, neste momento, é a redução do mercado consumidor — na medida em que o fenômeno expulsa do mercado milhões de pessoas que perdem seu poder aquisitivo. Ele ressalta que muitas pessoas querem manter o consumo dos produtos que adquiriam antes, mas agora não conseguem, pois os preços da cesta habitual de produtos aumentaram mais rapidamente do que seus salários.

Segundo o pesquisador, o fenômeno tem gerado, inclusive, um aumento significativo do número de pessoas em situação de insegurança alimentar no país. Atualmente são cerca de 61,3 milhões de pessoas em tal condição, mais de um quarto da população brasileira, segundo dados da FAO/ONU.

“O problema socioeconômico já afeta as indústrias, uma vez que elas tiveram aumento nos custos de produção e não conseguiram repassá-lo ao preço final devido à queda expressiva da demanda. Desse modo, uma das formas de as empresas continuarem no mercado foi vender em porções menores”, justifica.

É ilegal?

Vieira diz que a prática da reduflação não é ilegal, desde que as informações sobre as novas quantidades dos produtos constem de forma clara nas embalagens e possam ser compreendidas pelos consumidores. Diz, ainda, que as exigências para tanto que é que rótulos: 1) tenham informação em destaque, com todas as letras em maiúsculo; 2) estejam em negrito; 3) apresentem cor contrastante com o fundo do rótulo e 4) devam permanecer por pelo menos seis meses informando sobre a mudança da quantidade.

A legislação que trata sobre a mudança da quantidade dos produtos está expressa no Código de Defesa do Consumidor e na portaria 392/ 2021 do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Perguntado sobre o que o consumidor pode fazer caso encontre desconformidade das regras, ele diz que é possível recorrer aos Procons de todo o país.

“Além disso, com o avanço das redes sociais e sites que analisam e publicam informações a partir de denúncias, muitas empresas passaram a se preocupar também com suas reputações. Nesse sentido, além de procurar o Procon local, é importante expor as empresas não cumpridoras da lei e até mesmo deixar de comprar o produto (boicote)”, diz.