Desgaste no deslocamento ao trabalho tem relação com a volta massiva ao presencial e chama atenção de especialistas. Solução pode estar no híbrido.
Por Leon Santos
Ao contrário do que muitos imaginavam durante a pandemia, o mercado de trabalho não evoluiu e, pior, pode ter regredido. Isso porque a qualidade de vida, que parecia um sonho, não se concretizou após a descontinuidade do trabalho remoto para a maioria dos colaboradores.
Com a decretação governamental do fim do problema sanitário, os trabalhadores foram convocados para o modelo presencial, o que provocou mais desperdício de tempo e aumento nos engarrafamentos. A conclusão vem de pesquisa realizada pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), segundo a qual 36% dos brasileiros passam mais de uma hora no trânsito, nos deslocamentos diários, sobretudo rumo ao trabalho.
E o problema vai além, uma vez que 21% dos brasileiros ficam de uma a duas horas no trânsito, 7% entre duas e três horas, e 8% gasta mais de três horas no deslocamento. De acordo com 29% dos entrevistados, o tempo de locomoção aumentou depois da pandemia.
O estudo ratifica a evidência de que a volta ao presencial, em massa, prejudica a qualidade de vida e a produtividade dos colaboradores. Segundo a pesquisadora e coordenadora dos cursos de administração do Ibmec, Caroline Cordova, no deslocamento entre casa e trabalho, o indivíduo é exposto a grande estresse e pode desenvolver distúrbio de sono, ansiedade, depressão, além de sentimentos de injustiça, fadiga, exaustão e irritação.
Para a mestra em administração, tais fatores relacionam-se com a queda de qualidade de vida do trabalhador e podem ser determinantes não apenas para a queda de produtividade no trabalho, como também para a elevação dos indicadores de absenteísmo. Ela destaca que há décadas é de conhecimento da comunidade científica que o desgaste causado por congestionamentos e a imprevisibilidade do trânsito pode provocar consequências adversas, relacionadas a fatores afetivos, motivacionais e fisiológicos.
“Os dados apontam para a urgência dessa questão, que vai muito além da queda de produtividade no trabalho — uma vez que revela a necessidade urgente de investimentos públicos e privados de qualidade em planejamento e infraestruturas de mobilidade urbana. É preciso modernizar os sistemas de mobilidade visando, cada vez mais, o bem-estar do trabalhador que necessita realizar o deslocamento entre sua casa e o local de trabalho”, destaca.
Polarização
Segundo o professor de Administração Pública no Ibmec, Alex Alves, a mudança do trabalho remoto para o presencial se deve tanto a indicadores e necessidades identificadas no negócio quanto à ideologia. Alves conta que a discussão tem despertado paixões e gerou polarização entre dois grupos que ele denominou como presencialistas (defensores arraigados do modelo de trabalho presencial a qualquer custo) e os teletrabalhistas (aqueles que igualmente, a qualquer custo, defendem o trabalho remoto).
O professor explica que os “presencialistas” atribuem ao teletrabalho qualquer problema que tenham enfrentado com suas equipes — mesmo que eles sejam exatamente os mesmos que já existiam antes da adoção do modelo. Já os “teletrabalhistas” por vezes defendem que o ‘trabalho remoto total’ é a solução para todos os males, e que ir pessoalmente à empresa é custoso e até mesmo desnecessário.
“É preciso discutir o assunto sem esses vieses, de forma franca. Existem atividades que são intensivas em atendimento presencial, e outras que podem ser desempenhadas de forma até melhor sem a necessidade da presença em escritório, ou pelo menos sem que essa presença tenha que ocorrer na integralidade de jornada do tradicional horário comercial”, ressalta.
Mindset
De acordo com o doutor em administração e professor na UFRGS, Claudio Venzke, durante a pandemia a mudança de modelo de trabalho foi brusca e não houve tempo para as empresas analisarem os benefícios e adotarem tal formato de forma consciente e consistente. Ele destaca que o método comando-controle ainda está muito arraigado na mentalidade dos gestores; deste modo, como no trabalho a distância o controle fica mais complexo de ser realizado, acaba sendo preterido ou até mesmo evitado.
Para Venzke, existe um paradoxo em relação aos benefícios do trabalho à distância. Se por um lado permite o melhor aproveitamento do tempo — podendo ser utilizado para cuidados pessoais e redução de fatores que impactam na qualidade de vida—, por outro, a falta de contato físico e social gera o problema que classificou como “privação do toque”.
“O contato social e presencial pode atuar como regulador do estresse, atuando nas respostas do corpo, na produção de cortisol e impactando na frequência cardíaca. Desta forma, o modelo híbrido se apresenta como a melhor opção”, diz.
Já de acordo com Caroline Cordova, muitas empresas têm considerado o regime híbrido um método de transição entre regimes de trabalho e uma opção viável às novas tendências e necessidades do mundo do trabalho pós-pandêmico. Ela diz que antes de rotular as iniciativas de retorno ao trabalho presencial ou adoção do trabalho híbrido, há de se entender que as duas partes envolvidas enfrentam as potencialidades e dificuldades de cada formato de trabalho.
“No teletrabalho 100% remoto existem ganhos como no tempo (devido à ausência de deslocamento e de estresse relacionado ao trânsito), aumento de bem-estar e qualidade de vida. Porém, o trabalhador pode ter dificuldade em conciliar responsabilidades familiares e de trabalho, portanto, o regime híbrido é uma opção interessante ao oferecer certa margem de flexibilidade e alternância que atende, ainda que parcialmente, às necessidades do trabalhador e da empresa”, finaliza.