“Só sobreviverão […] as organizações que conseguirem conquistar legitimidade da sociedade para operar”
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Presidente da Fundação Dom Cabral (FDC), Antônio Batista da Silva Junior fala sobre como os profissionais, mercado e ensino de Administração devem se comportar para acompanhar o atual momento de transformação político-econômica mundial.
Batista é administrador e doutor em Administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Atualmente, além de presidente da FDC, é pesquisador e professor da disciplina Estratégia Competitiva e Alianças Estratégicas, na mesma instituição.
A Quarta Revolução Industrial está em plena atividade. Como o senhor analisa essa mudança? Qual o espaço do profissional de Administração e dos empreendimentos nessa nova ordem?
Estamos vivenciando a pior de todas as crises: a crise de confiança nas instituições, na política, nas empresas: a crise de liderança. Talvez seja esse o grande dilema da sociedade moderna e das organizações e empresas.
Nesse novo mundo, as organizações também passam por grandes transformações, movidas pelo questionamento e evolução de dois pilares fundadores da nossa sociedade: primeiro, a democracia, pilar que sustenta o ordenamento político; segundo, o capitalismo, pilar que sustenta o ordenamento econômico.
Com isso, o conceito de resultado está mudando no mundo das corporações. A sociedade está mobilizada e fiscaliza as formas com que as empresas ganham dinheiro. As empresas não são concebidas apenas como agentes de produção econômica, mas são cobradas para serem também agentes de desenvolvimento e bem-estar social. Somente sobreviverão aqueles empreendimentos que forem legitimados pela sociedade. Esta é a grande mudança do século XXI para o mundo das organizações.
Claro que é preciso reconhecer que a tecnologia está acelerando o processo de transformação. O processo de produção de manufatura está em revolução. Tecnologias como a impressão 3D e Internet das Coisas estão transformando radicalmente os processos produtivos. Entramos numa nova era, definitivamente. Cadeias produtivas quebrarão e outros negócios estão surgindo. O papel do administrador é fundamental, porque a gestão é o que garantirá a longevidade e relevância de organizações e negócios.
De que maneira estudantes e profissionais de Administração devem se preparar para esse futuro próximo e inevitável?
Costumo dizer que as escolas de negócios sempre foram procuradas – e fazemos isso muito bem – para resolvermos os problemas clássicos de gestão e Administração; oferecemos o que há de melhor em desenvolvimento gerencial, ajudamos as empresas a construir estratégias robustas, ajustar a governança e os processos, aprimoramos a gestão de pessoas das organizações e a evolução econômico-financeira. Mas, há alguns anos, isso não basta mais.
Os administradores precisarão se preparar para esse novo mundo, combinando inteligência algorítmica com inteligência emocional. A FDC quer fazer a diferença – temos a pretensão de querer mudar o mundo. Estamos firmes no nosso propósito e reformulamos praticamente todos os nossos programas e soluções educacionais. Temos um MBA cuja proposta de valor é formar líderes humanistas e embaixadores da confiança. Oferecemos ao mercado um programa internacional de desenvolvimento, para que a alta liderança esteja preparada para criar valor também para a sociedade. E, há quase dois anos, lançamos uma iniciativa: o CEOs’Legacy, com mais de 30 presidentes de grandes empresas obstinados em construir legados para a sociedade.
O Brasil, de modo geral e no que tange o ensino e as escolas de Administração, está acompanhando o caminhar da evolução tecnológica, econômica, política e social?
Sou otimista. Em que pese todas as nossas dificuldades, acredito que o meu Brasil é muito melhor do que o Brasil dos meus pais. Tenho convicção de que o Brasil dos meus filhos será melhor do que o meu. Nunca foi tão importante valorizar a educação. Ela é a nossa única saída. É preciso que as escolas estejam atentas à tecnologia e aos conceitos, como o de life-longlearning. Todos nós aprendemos ao longo da vida.
O conhecimento, hoje, é um ativo perecível; portanto, precisamos estudar continuamente. Fizemos uma pesquisa na FDC sobre o futuro da educação: a tecnologia é o meio para personalizar a educação e proporcionar experiências de aprendizagem mais impactantes. Serão tempos fascinantes os que veremos na educação num breve espaço de tempo. Na FDC, por exemplo, já utilizamos a inteligência artificial e a plataforma de inteligência cognitiva: em parceria com a IBM, usamos o Watson nas nossas salas de aula.
Responsabilidades ambientais já são previstas em lei, mas o conceito de sustentabilidade em si envolve fatores e ações de maior complexidade. Como o tema deve ser visto pelas empresas?
Você tem razão. Sustentabilidade pode ser um conceito difícil de definir, mas reflete um sentimento de que devemos fazer algo hoje com atenção ao futuro. Eu destaco três fatores relacionados à sustentabilidade que geram vantagem competitiva: risco – performance passada não garante performance futura; reputação – um dos ativos mais importantes da atualidade; e resiliência – capacidade de resistir a crises e problemas.
Como disse, a noção de resultado das empresas está sendo questionado e isso tem relação direta com a sustentabilidade. A sociedade exige das organizações uma capacidade de gerar desempenho e progresso, simultaneamente. Só sobreviverão no século XXI as organizações que conseguirem conquistar legitimidade da sociedade para operar.
Modelos de gestão mais democráticos têm ganhado força, a exemplo da gestão compartilhada. Repartir tomadas de decisões, assim como responsabilidades, pode ser produtivo para uma organização?
Certamente. Já temos casos reais de sucesso em empresas que compartilham a liderança, por meio dos chamados Co-CEOs. No mundo de hoje, a hierarquia não tem feito muito sentido. As organizações podem se preparar e funcionar bem em sistemas mais horizontais, reforçando o senso de propósito de suas equipes e estimulando a construção de laços de confiança.
Outro conceito fundamental nesse novo contexto e que gera resultados incríveis para as organizações é a diversidade. As empresas que têm apostado e investido nessa inclusão (diversidade de gênero, deficiência, raça, crença, cultura, etc.) têm colhido resultados tangíveis e intangíveis, com impacto positivo na inovação, desempenho econômico-financeiro, reputação, entre outros.
Que rumo o senhor acredita que tomará e aonde chegará a Administração – ensino e atuação profissional – nos próximos 20 anos, no Brasil e no mundo?
Como eu disse, a educação em Administração tem uma encargo fundamental para que as organizações possam competir de uma forma mais responsável nos próximos anos. O ensino da Administração precisa questionar os padrões atuais e se inserir como um agente da mudança que a sociedade tem vocalizado. Eu acredito muito nesse potencial.
A Administração recebe inspirações e contribuições dos mais variados campos do saber e isso nunca foi tão necessário quanto hoje, num mundo em que precisamos mais de integração de conhecimento do que de divisão. Se os problemas estão cada vez mais complexos, as saídas também não são simples. O ensino sempre será afetado pela tecnologia e novos sistemas de aprendizagem surgirão. O importante, cada vez mais, é oferecer experiências impactantes e criar capacidades para operar num mundo global e mutante.