Falta de urbanização é problema para o desenvolvimento das cidades e empecilho para a qualidade de vida. Saiba o que a gestão tem a ver com isso
De Patrícia Portales e Leon Santos
Estudo de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em novembro de 2022, identificou que apenas 0,54% da área total do Brasil é *urbanizada. Imagens de satélite registraram residências, ruas e edificações próximas o suficiente para permitir relações de vizinhança.
Nas linhas que demarcam o país há o encontro de diferentes composições demográficas. Um olhar mais apurado sobre as cidades expõe a forma como o rápido crescimento urbano, desordenado, formou comunidades variadas: do mangue às favelas, das palafitas ao asfalto — e um ponto une essas diferenças é o pouco espaço que compartilham sobre o solo.
O aglomerado mostra-se mais voltado às faixas litorâneas e às margens de rodovias. A gerente de Observação da Cobertura e Uso da Terra do IBGE, Manuela Alvarenga, revela ser influência da colonização, que muitas vezes ocupava estruturas e caminhos de povos indígenas pelos cursos de rios.
“Nos dias de hoje, adensamentos populacionais ainda caminham junto com a expansão de infraestruturas de transporte, energia e serviços. Muitas vezes, eles surgem ao redor de rodovias, e, em outros casos, impulsionando a criação das mesmas.”
Evidências internacionais
A Organização das Nações Unidas (ONU) confirma a constatação do IBGE de que há mais pessoas e menos espaços. Segundo a entidade, em 2021, 55% da população mundial vivia em áreas urbanas, e para 2050 a estimativa é a de que sejam mais de 6 bilhões, 70% da totalidade.
Para o pesquisador do Centro de Estudos em Regulação em Infraestrutura da FGV, Luiz Firmino, a concentração não é em si um problema, desde que haja preservação ambiental. Em tempos de mudanças climáticas, o equilíbrio de áreas protegidas e também de terras indígenas é necessário para a captura de carbono, a regulação de chuvas e a manutenção do ecossistema.
A disfunção, segundo Firmino, está também na falta de planejamento urbano mais voltado às pessoas. É sair do modelo fordiano, centrado nos automóveis, e pensar em qualidade de vida.
“É preciso espaços com boas calçadas, praças e equipamentos públicos. E também condições que facilitem o acesso a serviços do cotidiano, dentro de um conceito em que as pessoas tenham prazer e possibilidade de fazer as coisas a pé, ou de bicicleta — com ciclovias e estacionamento adequados para elas.”
Governança e sustentabilidade
O pesquisador da FGV Luiz Firmino chama a atenção para a necessidade de haver governança continuada e compatibilização entre preservação e desenvolvimento — por meio de ferramentas como o Zoneamento Ecológico e Econômico (ZEE). Com isso, é possível colher resultados entre 25 e 40 anos.
O bom planejamento urbano é capaz de sobrepor saneamento, habitação e mobilidade, que moldam o território. Mas as vocações econômicas precisam estar contempladas para, de fato, resultar em ganho e melhoria na qualidade de vida, na visão do pesquisador.
Aglomerados de cidades, com vários municípios próximos, permitem o surgimento de serviços mais especializados que nem sempre estão disponíveis em cidades do interior. Com isso, há pontos positivos e negativos.
De acordo com Firmino, se as cidades dispõem de áreas com boa infraestrutura de saneamento, transporte e acesso à internet, isso pode ser otimizado com maior concentração e consequente barateamento desses serviços. Desse modo, empresas são atraídas e há maior oferta de emprego.
O lado negativo, segundo ele, será o alto custo de vida nas regiões bem estruturadas. O fenômeno empurra os mais pobres para zonas periféricas, muitas vezes sem serviços públicos de qualidade.
“No Brasil, para além de todos os aspectos apontados, precisamos ainda de especial atenção para a busca de suprir o déficit habitacional, a fim de estancar o processo de ocupação informal do território. Isso é extremamente perverso, pois espalha a mancha urbana, criando periferias com assentamentos subnormais distantes e com infraestrutura precária, ou mesmo inexistentes”, conclui o pesquisador.
Essa é uma matéria da RBA ed. 152 – publicação do Conselho Federal de Administração (CFA).