Movimento que provocou inúmeras demissões voluntárias acabou, mas estimulou um novo paradigma nas relações de trabalho
Por Ana Graciele Gonçalves
No auge da pandemia, o mercado de trabalho dos Estados Unidos viveu algo inusitado: o aumento das demissões voluntárias. Conhecida como a “A Grande Renúncia”, o movimento foi responsável por 47 milhões de desligamentos funcionais a pedido em 2021, e, no ano seguinte, mais de 50 milhões de profissionais pediram demissão, de acordo com dados do Departamento de Trabalho dos EUA.
Passada a fase mais crítica da crise pandêmica, em meados de 2023 especialistas apontam que “A Grande Renúncia” acabou. Boa parte se deveu, principalmente, à instabilidade da economia e às melhores condições de trabalho. Mas, afinal, o fenômeno ocorreu em todas as categorias profissionais?
A psicóloga e escritora da ‘Editora Escreva’, Rachel Ribeiro, conta que essa tendência também alcançou o mercado de trabalho brasileiro. Para compreender o fenômeno no país, ela analisou o perfil dos trabalhadores que aderiram ao movimento da grande renúncia e percebeu que a demissão voluntária atingiu um nicho muito específico no Brasil.
Em 2022, quase metade das demissões voluntárias (48,2%) ocorreram entre os profissionais de nível superior, segundo levantamento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), a partir de dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED/ MTE). Já entre os menos escolarizados, o percentual ficou em 25%.
“Houve também um predomínio dos jovens entre 25 e 39 anos e dos profissionais da área de Tecnologia da Informação — seis das dez ocupações que mais pediram demissão”, explica a especialista. Os dados analisados pela psicóloga estão na nota técnica “A Great Resignation chegou ao Brasil? Uma radiografia dos desligamentos voluntários no país”, produzida pela Firjan.
O sonho acabou?
De acordo com a professora da Universidade Federal Fluminense, Luciene Morandi, a pandemia acelerou mudanças no mercado de trabalho, sendo a mais importante delas a expansão do uso do trabalho remoto — uma possibilidade já vislumbrada tanto por empresas e trabalhadores, mas ainda com dificuldade de implementação.
Segundo a professora, a modalidade de trabalho não ficou acessível a todos e nem para todas as atividades. Ele explica que se trata de uma prática laboral disponível apenas para aqueles que dispõem de meios adequados para tanto: espaço físico sem perturbação e adaptável para trabalho, computador com câmera e microfone, internet de velocidade alta, entre outros.
“Isso apenas criou ou ampliou as desigualdades do mercado de trabalho, com uma mão de obra elitizada — no sentido de dispor dessas possibilidades e poder trabalhar em melhores condições, a partir do conforto da casa — e que faz o trabalho intercalado com atividades alternativas, em horários mais adequados. Essas pessoas podem gerenciar melhor seu tempo”, ponderou a professora.
Os próprios dados do Caged ratificam a opinião da pesquisadora. Segundo o levantamento, 60,5% dos brasileiros com carteira assinada trabalham em atividades como agropecuária, indústria, construção civil, comércio, e apenas 39,45% na área de serviços. “Ou seja, percebe-se que menos da metade da população pode se beneficiar do teletrabalho e da jornada híbrida. Além disso, o teletrabalho e a jornada híbrida não foram sinônimos de melhoria da relação de trabalho em todos os casos”, avalia a psicóloga Rachel Ribeiro.
Insatisfação
Os pedidos de demissão diminuíram, porém isso não significa que aqueles que estão na ativa continuem trabalhando no que gostam ou da forma que preferem. Segundo um estudo recente conduzido pelo Instituto Gallup, 59% dos profissionais estão ‘se retirando silenciosamente’, o que indica que eles não têm demonstrado envolvimento significativo em suas tarefas laborais.
O levantamento mostra, ainda, que 18% estão “desistindo ruidosamente” ou estão ativamente desengajados, o chamado Loud Quitting (trabalhar de forma descontente). Contudo, continuam empregados.
De acordo com a psicóloga, a desmotivação no trabalho não é um tema novo. “Considerando que ainda há um índice alto de desemprego no Brasil, a fragilidade financeira não permite que algumas pessoas renunciem ao seu trabalho, apesar de sua insatisfação com ele”, explica Rachel.
Para reverter a falta de engajamento dos funcionários, ela diz que as organizações precisam adotar uma postura conciliadora entre as gerações presentes em sua força de trabalho. Rachel aconselha, também, a importância de incentivar relações horizontais e colaborativas.
“Além disso, o engajamento com as práticas ambientais, sociais e de governança mostram-se importantes no cumprimento do senso de propósito dessas gerações. Eles (os colaboradores) precisam entender que fazem a diferença em uma empresa socialmente responsável. Isso é essencial para a geração em que o trabalho faz parte de sua identidade e de sua realização pessoal”, conclui.