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Murilo Lemos fala sobre gestão pública brasileira e o atual mercado de trabalho

Profundidade e competência

Murilo Lemos mostra seu repertório analítico e traz insights interessantes sobre a administração pública brasileira e sobre o mercado de trabalho da atualidade

Por Leon Santos

Administrador de formação e mestre em Gestão e Políticas Públicas, Murilo Lemos de Lemos, é o entrevistado especial da RBA edição 157. Ele é consultor-especialista em Gestão de Pessoas no Instituto Gesto (ligado à Fundação Lemann), e também docente nas especializações em Administração Pública e Gestão governamental na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/ USP).

Com mais de 20 anos de experiência em gestão pública, ele trabalhou junto a prefeituras e órgãos estaduais do Governo de São Paulo, em cargos de direção e de assessoramento na área de Gestão de Pessoas. A seguir, ele fala sobre sua trajetória profissional, os principais gargalos da administração pública brasileira, as transformações sociais e laborais na área de Recursos Humanos, bem como tendências do mesmo segmento.

Lemos é ainda conselheiro efetivo e diretor-secretário do Conselho Regional de Administração do Estado de São Paulo (CRA-SP).

 

Murilo, conte um pouco de sua trajetória educacional e profissional, com destaque para aquelas experiências mais importantes e transformadoras em sua vida, que o levaram ao cargo ou função que ocupa hoje.

Quando optei por estudar administração, escolhi o curso pela ampla variedade de disciplinas e possibilidades de atuação, mas ainda não tinha noção exata de qual área gostaria de trabalhar. Uma das professoras que tive, na FGV, trabalhava no Terceiro Setor e me abriu os olhos, quando disse em aula que preferia trabalhar para o bem comum que apenas para vender bens de consumo. Foi a partir daí que conversando com colegas, amigos e outros professores, eu me apaixonei pela administração pública. Especialmente, depois de um estágio que fiz na Consultoria Júnior Pública da FGV, onde em um dos projetos pude conhecer o Carandiru por dentro e sugerir melhorias na formação dos Agentes de Segurança Penitenciária.

Já o interesse por gestão de pessoas surgiu no meu primeiro emprego, na Secretaria de Recursos Humanos da Prefeitura de Campinas, onde tive a honra de trabalhar com o saudoso prefeito Toninho, tristemente assassinado em 2001. Desde então, consegui construir minha carreira na área de gestão de pessoas em governos, tendo passado por outras prefeituras e também por diversas Secretarias, Autarquias, Fundações e Empresas do Governo do Estado de São Paulo.  

 

Você é graduado e mestre em administração pública. Como você avalia a maneira como é realizada a gestão e a administração pública no Brasil? Elas são bem-feitas? Em caso positivo, por que parece existir na população uma sensação de que ela não é bem-feita?

Essa resposta é muito complexa, então vou tentar simplificar e resumir alguns aspectos sem nenhuma intenção de ser exaustivo. Tivemos transições incompletas nos modelos de gestão na administração pública brasileira, e isso trouxe alguns vícios e deficiências para a administração pública como um todo.

É um problema multifatorial que envolve o Direito Administrativo, Sociologia, Ciência Política e a Administração, entre outras áreas. O modelo patrimonialista que imperou durante muitos anos na nossa gestão pública foi parcialmente substituído pelo modelo burocrático, que mais tarde viria a ser também parcialmente trocado pelo modelo gerencial.

Todos os modelos têm vantagens e desvantagens, mas a inconsistente e frágil colcha de retalhos formada pela implementação parcial de cada um deles acabou criando vícios e problemas difíceis de serem solucionados. Cito como um de vários exemplos possíveis a questão do concurso público que, da forma em que está organizado, garante por um lado oportunidade de acesso universal a vagas, mas, por outro lado, avalia apenas os conhecimentos.

Ele deixa de lado elementos fundamentais ligados às habilidades (capacidade de transformar os conhecimentos em resultados) e às atitudes (perfil psicológico do candidato). As amarras colocadas pela nossa constituição e pelo Direito Administrativo impedem que essa modalidade de processo seletivo escolha os candidatos mais adequados para as vagas, e essa distorção é um dos vários motivos que levam a máquina pública a muitas vezes ser ineficiente no sentido do planejamento e na entrega das políticas públicas para os cidadãos.

 

Quais são os principais gargalos da administração pública em nosso país? As indicações políticas são empecilhos para a administração profissional, ou seja, indicações aleatórias por padrinhos políticos, em vez de colocarem aqueles profissionais que realmente têm preparo e experiência?

O excesso de amarras prejudica a qualidade do processo de contratação de servidores efetivos via concurso público, assim como a ausência quase generalizada de critérios para a nomeação dos cargos de livre provimento também traz prejuízos quanto ao perfil do contratado. Esses cargos em comissão são os tomadores de decisão, são os gestores da máquina pública e que quando não são escolhidos com um mínimo de critérios técnicos, prejudicam muito a qualidade das entregas e resultados dos governos. Já existem iniciativas louváveis no Brasil e em outros países no sentido de organizar processos seletivos para estas funções de liderança nos governos, buscando equilibrar critérios de confiança com exigências técnicas mínimas de formação, experiência e competências.

Com a pandemia, nos últimos anos vivemos inúmeras transformações sociais, tais como a Revolução 4.0 (Quarta Revolução Industrial), Revolução 5.0, entre outras. Como o senhor tem visto essas mudanças disruptivas; de que forma elas podem impactar a vida dos administradores e qual delas te chamou mais atenção e por quê?

Cito como dois exemplos de mudanças disruptivas o teletrabalho e a inteligência artificial. São realidades que chegaram para ficar no mundo do trabalho como um todo e também na gestão pública. Os governos foram bruscamente arremessados no teletrabalho durante a pandemia, sem o menor planejamento. Enquanto muitas empresas já lidavam com a realidade do trabalho remoto, a Administração Pública tinha pouquíssimo uso dessa ferramenta e precisou se adaptar com muita rapidez, gerando problemas. Mas ao mesmo tempo deixou claras muitas oportunidades, no sentido de serem percebidas várias atividades que poderiam ser mais bem executadas a distância: tanto no sentido da eficiência como da eficácia. Tanto que muitos setores e equipes de governos permaneceram em teletrabalho mesmo após a pandemia. O desafio maior que fica agora é sobre como gerenciar, controlar e avaliar o trabalho feito a distância, sem cair na armadilha de técnicas e ferramentas focadas apenas nos processos e não nos resultados.

Quanto à inteligência artificial, cito como exemplo os chatbots (como o chatGPT e o Bard) que são uma evolução das ferramentas de busca como o Bing e Google. Essas ferramentas de busca eram vistas com desconfiança quando surgiram, mas mudaram drasticamente a forma como buscamos e organizamos o conhecimento, seja na nossa vida pessoal ou profissional. Os chatbots alimentados pela inteligência artificial caminham no mesmo sentido. Por mais que para muitos no início pareçam algo enigmático, e talvez até intimidador, logo cairão no uso comum e, se bem utilizados, podem trazer muitos benefícios e facilitar a forma como realizamos o nosso trabalho. Pode ser que em algum momento a inteligência artificial avance a ponto de ter opiniões próprias e sentimentos, mas esse momento me parece ainda distante e até lá, ela será muito mais uma companheira e ferramenta de trabalho que uma ameaça aos humanos e aos empregos.

 

Para quem está começando a carreira em administração e não tem ainda uma especialização, quais áreas o senhor acredita serem pouco exploradas, mas muito promissoras? E o que nelas pode ser realizado, em termos de inovação ou mesmo geração de renda e riqueza?

Citaria como áreas que já são muito importantes e que serão cada vez mais tendências na minha visão:

-Gestão Estratégica de Pessoas, com foco em desenvolver e aprimorar habilidades comportamentais nas lideranças e nos colaboradores. Há um grande gap (lacuna) de competências socioemocionais nos profissionais mais jovens em comparação com os jovens profissionais de 10 anos atrás, por exemplo. E essas competências são cada vez mais importantes tanto na gestão empresarial como na administração pública.

-Intermediação entre as necessidades de soluções tecnológicas para os problemas da gestão e os profissionais de TI. O profissional de administração pela sua formação e competências — especialmente aquelas definidas pelas novas diretrizes curriculares dos cursos de administração — é o profissional mais bem qualificado para fazer essa ponte fundamental entre as necessidades de solução de problemas nas áreas meio e finalísticas das organizações e as possibilidades de inovações e ferramentas tecnológicas para atender a essas necessidades.

Quais questões ou grandes temas do mundo da administração mais lhe chamam atenção ou mais te instigam a serem trabalhadas? 

Acredito firmemente em parcerias necessárias e saudáveis entre sociedade civil, terceiro setor, iniciativa privada e governos — no sentido de desenvolver e implementar mais e melhores políticas públicas, de forma sustentável ambientalmente e no tempo e a menores custos. Muitas vezes, quando se discute esse tema, a tendência é a polarização ideológica e o radicalismo, no sentido de privatizar todos os serviços públicos ou de impedir qualquer forma de parceria entre governos e outros entes. Mas existem várias formas e possibilidades de parcerias que vão desde terceirização até concessões, privatizações, parcerias público-privadas, trabalhos com organizações sociais e consultorias focadas em fortalecimento institucional. A academia precisa estar aberta a testar esses modelos e avaliar, com base em dados e evidências, quais soluções atendem melhor às necessidades da população, em cada tipo de política pública. Fato é que, na maior parte dos casos, devido à complexidade cada vez maior dos problemas da nossa sociedade e ao rápido avanço de tecnologias e inovações, os governos não conseguirão trazer soluções satisfatórias sozinhos. Ao mesmo tempo, as parcerias já existentes precisam ser mais bem estudadas, testadas e bem elaboradas para que funcionem a contento e não acabem até mesmo piorando a situação como um todo.