A MUDANÇA NA FORMA DE PENSAR A ATUAÇÃO DE UMA ORGANIZAÇÃO É UM DOS PRINCIPAIS PASSOS RUMO AO SUCESSO NO QUESITO SUSTENTABILIDADE
A maior parte do sucesso de qualquer empresa na implantação de uma política sustentável que vise adequar o modo de produção às demandas ambientais e de sustentabilidade é o engajamento dos funcionários. Nesse aspecto, o gestor responsável pela área ambiental tem papel preponderante na busca por mudar o comportamento dos demais funcionários, na sensibilização para essa nova forma de pensar a empresa e na busca por tornar o modelo de negócios cada vez mais eficiente.
De acordo com Aron Belinky, coordenador do Master em Gestão Sustentabilidade e do Programa Produção e Consumo Sustentáveis do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVCes), ambos da Fundação Getulio Vargas, logo que o conceito de sustentabilidade empresarial surgiu, o perfil do profissional que se ocupava disso nas empresas era de alguém observador, capaz de identificar problemas, e também inovador, que soubesse buscar alternativas de melhorias.
Com a Agenda 21, herdada da Eco-92, o profissional que se buscava para desenvolver sustentavelmente nas companhias era alguém capacitado a esmiuçar a agenda, entender tudo o que ela estabelecia, identificar o que implicavam – no dia a dia da empresa – as determinações da nova prerrogativa e detalhar isso. “Naquele momento, o profissional precisava entender a nova lógica que se instalava, pautar a empresa e discutir essa nova pauta com ela”, explica Belinky.
Atualmente, quando a pauta está pronta e a consciência, incutida na filosofia da empresa, o profissional que se busca agora deve trabalhar na esfera estratégica: trata-se de alguém que possa fazer a conexão entre o modelo de negócios da companhia e a sustentabilidade. Alguém que enxergue de maneira global para permitir o contínuo desenvolvimento da companhia, sempre respeitando os limites ambientais.
“Esse novo profissional precisa estar apto a identificar e implementar soluções práticas das questões que a sustentabilidade levanta. Como calcular os índices, como promover o engajamento real com a comunidade e stakeholders”, diz Belinky.
Para Haroldo Mattos de Lemos, superintendente do Comitê Brasileiro de Gestão Ambiental da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e presidente do Conselho Empresarial de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Associação Comercial do Rio de Janeiro, o papel do administrador é essencial no processo de gestão sustentável das empresas. “A experiência mostra que os melhores resultados obtidos pelas empresas são conseguidos quando os administradores da companhia estão convencidos sobre a política ambiental estabelecida. São eles que irão cobrar dos funcionários tudo aquilo que foi definido, quais normas devem ser seguidas. Se os administradores não estiverem convencidos, a chance de ter bons resultados é bastante baixa”, explica.
Belinky vai além e afirma que a sustentabilidade precisa ser incorporada como um valor dentro da empresa. Segundo ele, quando a sustentabilidade é vista dessa maneira, ela passa a ser discutida de forma mais estratégica e consegue avançar cada vez mais firme. “Não se trata apenas de uma estratégia de marketing, mas estratégia do ponto de vista da competitividade da empresa, para mantê-la em condições adequadas de produção e crescimento. Uma vez incorporada, essa nova filosofia vai descer para a organização toda”, afirma.
CERTIFICAÇÃO
O Comitê Brasileiro de Gestão Ambiental da ABNT é o órgão responsável por normatizar as questões ambientais no país. Lemos explica que a ISO, entidade criada na Suíça em 1947 e que se ocupa de elaborar normas de padronização, começou a discutir, em meados da década de 1980, normas de gestão da qualidade – que viriam a se tornar a série ISO 9000.
Como as normas tiveram boa aceitação no meio empresarial, e embalados pela nova onda de discussões trazidas pela Eco-92, foi criado um grupo para discutir se seria conveniente fazer normas de sistema de gestão ambiental, que seriam no futuro a série ISO 14000. “Essa proposta foi apresentada durante a conferência no Rio, em 1992, e foi muito bem aceita. Depois disso, em 1994, criou-se no Brasil um comitê técnico de apoio à normalização ambiental que passou a traduzir as normas ambientais da ISO. A primeira a ser traduzida foi a ISO 14001, em 1996”, explica.
Em 1999, a ABNT criou o Comitê Brasileiro de Gestão Ambiental e hoje são mais de 30 normas ambientais expedidas pelo órgão. Apesar de não existir uma lei que obrigue as empresas a se certificarem, Lemos afirma que elas estão buscando a certificação ambiental porque isso as torna mais competitivas.
Os ganhos econômicos surgem porque a certificação ambiental exige que a empresa meça os passos do processo de produção. A partir do momento em que ela começa a fazer isso, é possível identificar e reduzir desperdícios. “A adequação acaba mostrando que é possível produzir a mesma coisa, mas economizando matéria-prima e gerando menos resíduos para serem tratados. E, quando se consegue isso, as melhorias econômicas são consequência”, afirma.
Lemos diz que as empresas não costumam divulgar seus dados econômicos, mas os ganhos obtidos pela gestão sustentável são evidentes. Ele cita o exemplo de uma empresa que gerava quantidade considerável de efluentes anualmente. “Quando essa empresa foi fazer a certificação ambiental, identificou que se tratava de três toneladas de níquel jogados fora todos os anos. Ao verificar isso, eles perceberam que, se recuperassem esse níquel, poderiam vender o metal para a indústria de galvanização. A medida acabou se revertendo numa economia real anual de R$ 1 milhão para a companhia”, conta.
Lemos alerta que muitas empresas não se engajam no processo de certificação porque, num primeiro momento, há gastos para fazer as adequações necessárias às exigências estabelecidas pela norma. No entanto, há benefícios. E, em longo prazo, as novas práticas acabam tornando a empresa mais lucrativa e econômica.
Mesmo sem ser obrigatória por lei, a certificação ambiental acaba sendo fundamental para as empresas brasileiras que querem exportar seus produtos, por exemplo. A maioria dos compradores internacionais exige ou dá preferência a empresas com certificação ambiental, que assegurem toda a sua linha de produção, desde a matéria-prima até o produto final.
BOAS IDEIAS NASCEM DA SIMPLICIDADE
PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS DE NEGÓCIO E GESTÃO TÊM SURGIDO DA SENSIBILIDADE DE PESSOAS ATENTAS AO MEIO SOCIAL, ECONÔMICO E AMBIENTAL QUE AS CERCAM
A administradora de empresas Márcia Werle já tinha uma sólida carreira em multinacionais do setor metal-mecânico no Rio Grande do Sul quando uma rotineira saída para buscar as filhas na escola acabou mudando o curso de sua carreira. Ela se surpreendeu com a empolgação das meninas, com cinco e seis anos na época, ao quererem instalar em casa um sistema de separação de lixo que aprenderam na escola. Ela ficou impressionada com o poder de transformação de costumes quando ensinados às crianças e solidificou a vontade de empreender em algo que pudesse mudar o comportamento das pessoas.
“A empolgação das meninas apenas veio ao encontro de uma vontade de montar uma empresa que produzisse algo pró-meio ambiente”, conta. Para conseguir fazer a vontade virar ideia e a ideia, negócio, Márcia foi se especializar. Fez MBA, treinamentos em gestão avançada, tudo para conseguir chegar mais perto do sonho: criar projetos autossustentáveis.
Depois de uma viagem à Alemanha e com a ajuda de um professor da Universidade de Leibniz, Márcia fechou o conceito do seu novo negócio: nascia em 2007 a Biotechnos, uma empresa especializada em fabricar equipamentos para produção de biodiesel, instalada em Santa Rosa (RS).
Márcia define a empresa que criou como modesta, pequena, porém, ousada e inovadora. Isso porque o modelo de negócios da companhia leva ao pé da letra o conceito de sustentabilidade: quanto mais a empresa produz, mais ela colabora com o meio onde está inserida. Isso acontece porque a Biotechnos utiliza óleo residual para produzir biodiesel.
No entanto, durante dois anos, a Biotechnos usava como matérias-primas óleos de soja e girassol, com o objetivo de atender pequenos agricultores rurais. A empresa usava os grãos excedentes das produções dos agricultores interessados em gerar energia para suas atividades.
“Enquanto cuidava do desenvolvimento de tecnologias ecologicamente corretas, me dei conta de que, para tudo fazer sentido, era necessário também investir em educação ambiental. Surgiu a ideia de promover campanhas de recolhimento de óleo de fritura nas escolas públicas. As crianças levavam os resíduos e a Biotechnos pagava 60 centavos por litro. Esse dinheiro se revertia em melhorias para a escola. Enquanto isso, usávamos o material (óleo de cozinha coletado na comunidade) nas pesquisas em busca da certificação pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biodiesel”, explica.
A iniciativa deu tão certo que a Biotechnos estruturou um sistema de franquia industrial para trabalhar com a formação de arranjos produtivos locais. Ela desenvolveu sistemas de coleta locais de óleo residual, deu instruções sobre os danos do descarte incorreto do óleo, informou as maneiras de armazená-lo, os pontos de entrega e como fazer o envio para as usinas. Hoje são 28 plantas de biodiesel espalhadas por vários Estados brasileiros e uma produção que gira em torno de meio milhão de litros mensais.
“O tripé da sustentabilidade abrange questões econômicas, ambientais e sociais com trabalho digno, envolvimento com a comunidade, postura ética e transparência. O desafio do administrador é conseguir equilibrar essas três dimensões e desenvolvê-las sem menosprezar a responsabilidade social. Normalmente esse foco fica muito em práticas ambientais”, afirma.
Para Márcia, as práticas sustentáveis das empresas precisam ser completas. Ser sustentável, segundo a empresária, é se preocupar com a forma como utilizam, preparam e apresentam os seus produtos no mercado, treinam e orientam os seus colaboradores, se relacionam com a comunidade, poder público, clientes, fornecedores e equipe. “E esse comportamento não é restrito à indústria. No comércio e serviços também é preciso agir dessa forma”, afirma.
“A Biotechnos é uma referência, pois nosso negócio é a sustentabilidade, a construção de arranjos produtivos locais (APLs) com características particulares, voltados a soluções economicamente viáveis, socialmente justas e, o principal, ambientalmente corretas, cumprindo o papel social da indústria, que se realiza no desenvolvimento sustentável da sociedade em que atua”, completa.
ENERGIA SOLAR
Outro bom exemplo de sustentabilidade empresarial vem do primeiro conselho de fiscalização profissional do Brasil a usar energia 100% renovável. O prédio onde o Conselho Regional de Administração de Mato Grosso (CRA-MT) está instalado conta com uma usina de geração de energia solar.
De acordo com o administrador Helio Tito, presidente do Conselho, a entidade está contribuindo para atingir as metas do Acordo de Paris, resultado da Conferência do Clima das Nações Unidas realizada em 2015, na França. O Brasil, que é signatário do acordo, tem o compromisso de cortar suas emissões de gases de efeito estufa e descarbonizar sua economia durante a segunda metade deste século.
“Somos o primeiro Conselho de todas as profissões a implantar uma usina de microgeração de energia e, mais do que economizar na conta, queremos ser exemplo para outras instituições e empresas”, afirma Helio Tito.
A usina tem uma potência instalada de 15,6 kW, gerando mensalmente 1.885 kWh de energia. Sustentável, ela contribui com a redução na emissão de poluentes na atmosfera. Segundo Tito, a energia produzida pela usina do CRA-MT é capaz de alimentar 23 casas populares.
BOVESPA MEDE SUSTENTABILIDADE DAS EMPRESAS E AGREGA VALOR ÀS COMPANHIAS
Ser sustentável já virou característica que eleva o conceito de qualquer empresa. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) foi pioneira na América Latina ao instituir, em 2005, o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). A iniciativa foi a quarta no mundo – depois de Nova York, Londres e Johanesburgo – e tem por objetivo atuar como indutor de boas práticas no meio empresarial brasileiro e ser uma referência para o investimento socialmente responsável.
Segundo a instituição, ele busca criar um ambiente de investimento compatível com as demandas de desenvolvimento sustentável da sociedade contemporânea e estimular a responsabilidade ética das corporações.
Na prática, o ISE é uma ferramenta para análise comparativa da performance das empresas listadas na BM&FBOVESPA sob o aspecto da sustentabilidade corporativa, baseada em eficiência econômica, equilíbrio ambiental, justiça social e governança corporativa.
Anualmente, o Conselho Deliberativo do ISE promove um processo de seleção das empresas. O desenho metodológico é de responsabilidade do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVCes) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP). E a Bolsa é responsável pelo cálculo e pela gestão técnica do índice.
São convidadas a participar do processo anual do ISE as companhias que detêm as 200 ações mais líquidas da Bolsa na virada da carteira. Para o processo da 12ª carteira, anunciada no final de 2016, foram convidadas 179 companhias. Destas, 41 participaram do processo.
A nova carteira, que vigorará até janeiro de 2018, reúne 38 ações de 34 companhias que representam 15 setores diferentes e somam R$ 1,31 trilhão em valor de mercado, o equivalente a 52,14% do total do valor das companhias com ações negociadas na BM&FBOVESPA.
Desde a sua criação, em 2005, o ISE apresentou rentabilidade de +145,36%, contra +94,11% do Ibovespa (base de fechamento em 22/11/2016).