Organizações flexibilizam código de vestimenta em adequação ao atual momento do mercado. Ação também visa promover ambientes mais criativos, inclusivos e produtivos.
Por Ana Graciele Gonçalves
No cenário dinâmico e interativo do ambiente de trabalho, a flexibilidade tornou-se a palavra de ordem. Assim como as fronteiras entre vida profissional e pessoal se diluem, surge uma revolução nas práticas empresariais tradicionais.
Uma das expressões mais visíveis dessa transformação é a flexibilização do dress code — termo em inglês, referente ao código de vestimenta —, onde os rigores formais cedem espaço para a expressão individual e o conforto de se vestir. Com a pandemia, tal movimento ganhou ainda mais força.
Entre 2020 e 2022, na época da crise da COVID-19, com a adoção do home office as pessoas começaram a utilizar roupas mais confortáveis na hora do expediente. Com o retorno ao trabalho presencial, o uso do tailleur e salto alto, para as mulheres, e terno e gravata para os homens começou a ser revisto.
“Flexibilidade tornou-se um termo recorrente na gestão, especialmente no pós-covid. A ideia de que o funcionário sinta-se mais bem vestido, de acordo com seu perfil, pode indicar maior produtividade, criatividade, satisfação, empenho, entre outros benefícios”, diz a administradora e professora do curso de Administração da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), doutora Salli Baggenstoss.
A opinião da docente vai de encontro a uma pesquisa feita pelo instituto britânico Barrett Values Center sobre o que o mundo espera das organizações. O levantamento, feito entre 2020 e 2022 em 30 países, mostrou que adaptabilidade e bem-estar estão entre os valores que mais se destacaram entre os entrevistados.
Neste novo capítulo da cultura corporativa, as vestimentas tornam-se mais do que meras roupas. Para muitos especialistas, elas são manifestações de identidade, criatividade e até mesmo um reflexo do espírito inovador que impulsiona organizações rumo ao futuro.
A moda pega?
Para aumentar a produtividade dos colaboradores, muitas empresas brasileiras e órgãos públicos liberaram o uso de bermuda durante o expediente. A medida foi adotada em meados de outubro e novembro deste ano, período marcado por um forte calor em boa parte do Brasil.
A cidade do Rio de Janeiro, como exemplo, registrou sensação térmica de 58,5°C no dia 14 de novembro. Permitir que os funcionários fossem com roupas mais leves foi uma das ações adotadas pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro para aplacar o calor e melhorar o bem-estar dos servidores.
Salli explica que a flexibilização do dress code pode ter impactos positivos na produtividade. Ela justifica: “Cumprir as tarefas passando calor, com uniforme ‘da moda’, com excesso de detalhes ou com a cor inapropriada dificilmente irá contribuir para sua devida realização profissional”, afirmou.
De acordo com a administradora e professora adjunta no curso de administração da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Jaqueline Rosa, relacionar produtividade com a vestimenta formal é um modelo mental que durou décadas. Segundo ela, o que as organizações públicas e privadas precisam ficar atentas é com relação às entregas.
“O resultado é o fator primordial, e a ele cabe o mérito da discussão. Estamos em 2023, com uma geração que diverge em valores, mas que tem total condições de produzir, de entregar resultados e que não pode ser podada ou pré-julgada em função de suas roupas”, alertou a professora, que também é a diretora do Centro de Ciências Administrativas e Econômicas da UFRR.
Virada
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) permite que as empresas determinem regras de vestimenta. O artigo 456-A dispõe que “cabe ao empregador definir o padrão de vestimenta no meio ambiente laboral, sendo lícita a inclusão no uniforme de logomarcas da própria empresa ou de empresas parceiras e de outros itens de identificação relacionados à atividade desempenhada”.
Para evitar o que aconteceu com o Banco Inter — a instituição bancária foi duramente criticada nas redes sociais por lançar uma cartilha de padrão e estilo para seus funcionários—, Jaqueline recomenda que a empresa deve primeiro saber qual é o perfil de seus colaboradores. Isso auxilia na estruturação e atualização do dress code.
“Essas regras não devem ferir a minha liberdade, e a minha liberdade não pode ferir as regras de conduta e vestimenta. Tudo que estiver dentro disso é permitido e perpassa pelo respeito e bom senso”, analisa a administradora.
O discernimento também deve partir do funcionário. Afinal, cabe a ele conhecer o perfil da empresa ainda na fase de recrutamento e seleção. Para Jaqueline, ambos devem ter a autopercepção e perceber o outro, pois desta forma são evitadas situações constrangedoras que podem, inclusive, se tornar mais severas migrando para um possível assédio moral.
“Compreender o público, seja colaborador, consumidor e demais personas, é fundamental na sustentabilidade organizacional. Estamos com muitas gerações comungando nos ambientes laborais e precisamos manter esses ambientes saudáveis.”, resume Jaqueline.