Saiba o que é e por que sua empresa deve estar atenta a ele. Fenômeno pode ter sido responsável por prejuízos de US$ 1,9 trilhão nos EUA
Por Leon Santos
Uma nova tendência surgiu no mercado de trabalho e tem chamado atenção de empregadores e especialistas em recursos humanos: é o ‘Rage Applying’. Em tradução livre, o fenômeno significa “candidatura por raiva”, e ocorre quando profissionais estão insatisfeitos com suas condições de trabalho, salários ou ambiente corporativo, e passam a enviar currículos para outras empresas, de forma intempestiva, sem a devida adequação entre as vagas e seu perfil profissional.
Segundo dados do relatório State of the Global Workplace, do Instituto Gallup, uma em cada cinco pessoas estava insatisfeita com o trabalho em 2022. Já em 2023, edição mais recente da pesquisa, o índice foi expresso em termos de perdas financeiras para a empresa — fixada em US$ 1,9 trilhão apenas nos Estados Unidos.
Segundo a administradora, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC) Ana Barros, a motivação para o Rage Applying é multifacetada, sendo derivada de ambientes de trabalho tóxicos e da falta de apoio, respeito e reconhecimento, bem como da sobrecarga de trabalho e esgotamento físico e mental. Ela destaca que a falta de equilíbrio entre vida profissional e pessoal também faz com que os colaboradores busquem ambientes de trabalho mais saudáveis.
“As mudanças nas prioridades, como a necessidade de flexibilidade para cuidar da família ou interesses pessoais, a busca por melhores oportunidades e uma vida mais equilibrada impulsionam esse comportamento. Soma-se a isso a influência de tendências de mercado como a Grande Renúncia, movimento que tem incentivado muitos a reconsiderarem suas posições atuais, valorizando mais a flexibilidade e a qualidade de vida”, acrescenta.
Reflexos
Para a administradora e especialista em gestão de pessoas Vanda Lima, o conceito de Rage Applying não surgiu do nada; ele é um reflexo da crescente pressão no ambiente de trabalho moderno, onde a demanda por alta performance e produtividade por vezes supera as capacidades humanas.
Entre os dados que embasam a perspectiva de Vanda está o crescimento do burnout em todo o mundo, sendo reconhecido desde 2022 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma ocorrência ocupacional ou doença relacionada ao trabalho. Outro dado, desta vez da International Stress Management Association (ISMA), revela que o Brasil ocupa o segundo lugar mundial no número de casos diagnosticados de burnout, com 30%, ficando atrás apenas do Japão, onde 70% da população é afetada pelo problema.
Mais um indicativo sobre a realidade do problema, segundo Vanda, é o crescimento no número de aplicações em plataformas de recrutamento como o LinkedIn, que relataram aumento significativo em curtos períodos de tempo. Para a administradora, essa é uma das possíveis explicações para o fenômeno, que pode estar relacionada a picos de estresse no local de trabalho.
No exterior, um levantamento da consultoria de recrutamento Robert Walters revelou que em Portugal mais de 60% dos funcionários praticaram o Rage Applying em 2023 e tiveram como principais motivações o desentendimento com chefes e sobrecarga de trabalho. Já nos Estados Unidos, 90% dos trabalhadores o praticaram, sendo o principal motivo (88%) o esgotamento físico e mental.
“Esse fenômeno reflete a pressão e o desejo por mudanças no ambiente de trabalho moderno. Ele também nos lembra da importância de criar espaços que promovam o bem-estar e a satisfação, conforme comprovam os dados de tendências e pesquisas sobre o assunto”, diz Vanda.
Identificar e evitar
Identificar se o Rage Applying tem acontecido em suas dependências é um dos principais desafios das empresas para combater o problema. Ele pode ser detectado por comportamentos anômalos como acessos frequentes a sites de emprego e o envio de currículo, bem como por sessões de feedbacks com gestores para entender o nível de satisfação dos funcionários.
Segundo o administrador, professor e especialista em gestão de pessoas e inovação Rodrigo Fortunato, para detectar o fenômeno é preciso monitorar o clima organizacional e, se preciso for, desenvolver treinamento e programas de desenvolvimento profissional. Ele destaca que tais ações visam suprir as expectativas profissionais, ao dar oportunidades de crescimento, mas que é preciso entender os objetivos de cada colaborador para, com isso, desenvolver programas específicos de retenção de talentos.
Fortunato ressalta, por outro lado, que as organizações precisam investir em programas que ofereçam mais qualidade de vida ao colaborador e destaca que, nesse sentido, no Brasil, as ações ainda são bastante tímidas e conservadoras. O administrador diz que ações como oferecer a possibilidade de trabalho a distância ou a semana laboral de quatro dias podem gerar benefícios, porém para implementá-las os gestores precisam saber demonstrar à empresa as vantagens dos novos formatos de trabalho.
“Os gestores devem ser persuasivos e demonstrar não só os pontos positivos, que serão gerados a cada colaborador, mas também os resultados que serão proporcionados por eles quando estão satisfeitos e conectados verdadeiramente com os propósitos da empresa. Isso elevará o relacionamento com a organização para outro nível de confiança e engajamento, o que proporcionará a todos os envolvidos — empresa, colaborador, cliente e sociedade — ganhos expressivos”, sentencia.