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Tudo em família

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AS EMPRESAS FAMILIARES GUARDAM EM SUA ESSÊNCIA OS VALORES DE SEUS MEMBROS. MAS HÁ VANTAGENS E DESVANTAGENS NESTE MODELO DE NEGÓCIOS

As empresas familiares representam 80% das 19 milhões de companhias que existem no país, segundo a Pesquisa de Empresas Familiares no Brasil, divulgada no final de 2016 pela PwC, consultoria presente no país desde 1915. Com contribuição de 50% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, elas constituem a espinha dorsal do setor corporativo brasileiro, segundo o Firm Institute.

Não há dados específicos atuais, nem divulgados pelo IBGE, nem pelo Sebrae sobre a quantidade de empresas familiares existentes no Brasil. Mas há uma estimativa em um estudo realizado pelo Sebrae no ano de 2015 que apontou que 57% das micro e pequenas empresas no Brasil possuem parentes entre seus sócios e/ou empregados e colaboradores. Esta pesquisa apontou que a Região Sul do país apresentava, à época, a maior proporção de empresas familiares (60%), seguida pela Região Sudeste (59%), Centro-Oeste (57%), Norte (52%) e Nordeste (52%).

A gerente de Desenvolvimento Humano Organizacional da Empalux, empresa localizada em Curitiba (PR), Janete Maria Machado de Lara, conhece bem esta realidade. Ela já trabalhou em três empresas com este modelo de negócio, e garante que atuar junto a uma empresa familiar tem muitos pontos positivos, como, por exemplo, a agilidade e autonomia na tomada de decisões – já que a direção destas, de um modo geral, está concentrada em um número menor de pessoas, se comparadas com outras empresas com modelo diferente de atuação.

“A liberdade que tenho para atuar é muito interessante, pois o cenário em que o país vive muda muito rápido, e a tomada de decisão tem que ser ágil”, avalia.

No entanto, o fato de, em muitas situações, ter que tomar decisões rapidamente pode representar algum desafio adicional. “O aprendizado é enorme, as ações são mais rápidas, porém, nem sempre essa agilidade permite planejamento, o que acaba se refletindo mais adiante. Consequentemente, podemos viver altos e baixos. Mas ainda assim é gratificante trabalhar numa empresa familiar”, diz Janete, que está há cinco anos na Empalux, empresa que faz parte do grupo Empal e atua no ramo de importação e distribuição de lâmpadas desde 1974 e conta hoje com cerca de 80 funcionários.

Apesar de os números referentes à pesquisa da PwC serem aparentemente animadores, só 12% desses negócios sobrevivem após a terceira geração familiar assumir o comando.

Ou seja, muitas vezes estas empresas enfrentam dificuldades em sua sustentabilidade.

“Muitas se mantêm no improviso”, observa a professora da Fundação Getúlio Vargas e consultora na área de Gestão de Empresas Anna Sherubina Scofano. O grande motivo disso, segundo ela, é a mistura das relações familiares e profissionais. Afinal, não é nada fácil separar as duas coisas, já que quando se trata de empresas familiares elas ficam intimamente relacionadas, por mais que as pessoas envolvidas tentem o contrário. “Vejo que este problema da mistura de relações acontece principalmente em função da hierarquia familiar”, comenta.

O paternalismo, portanto, é um problema sério que ainda persiste neste modelo de negócios, pois em muitos casos o proprietário da empresa tem a experiência, mas duvida da competência dos filhos, netos etc. e não delega as ações e decisões. Sem falar na falta de maturidade profissional: há casos, segundo avaliação da professora Anna, em que sucessores não enxergam que não devem estar ali na empresa apenas porque “fazem parte da família”.

Na opinião de Anna, as famílias estão abrindo os olhos para os novos tempos. A informação está disponível cada vez mais, e por isso ficar mais atento ao mercado está virando quase que uma obrigação. E em tempos de crise econômica e política, o impulso tende a ser ainda maior. “Elas estão investindo mais em capacitação. O contexto atual, de crise, gera mais empreendedorismo”, aponta.

Na Empalux, onde Janete trabalha, o presidente e outros quatro diretores pertencem à família, o restante dos funcionários, não. Uma tendência nas empresas familiares. Ela acredita que estas empresas estão mais preocupadas com a longevidade e entendem que precisam de profissionalização. “A família sempre será preservada, porém, negócios são negócios, necessários para a longevidade das empresas. Também entendo que a essência da família é importante para se manter competitivo no mercado”, pondera Janete, que também é administradora e tem MBA em Gestão de Pessoas e Valor Humano nos Negócios.

Ética e sucessão

Ética e qualidade na gestão são dois pontos essenciais para o bom andamento de uma empresa, seja ela familiar ou não, conforme opinião do adm. Francisco Gomes de Matos. Ele lembra de empresas fortes, cuja liderança é exercida pelo patriarca, que se mantêm bem por anos a fio. “O segredo está na linha da renovação contínua, na flexibilização, na profissionalização da gestão”, avalia. Descentralização, delegação de autoridade e inovação são, para Matos, essenciais para qualquer gestor – seja ele de uma empresa familiar ou não.

A falta de percepção do sucessor em relação aos conhecimentos técnicos, principalmente de profissionalização, pode resultar em situações ainda piores, que podem contribuir para o declínio da empresa familiar. O professor do curso de MBA em Desenvolvimento Organizacional da FAE, Edélcio Jacomassi, cita o caso extremo de perda de outro profissional com competência técnica porque a pessoa da família que também atua no negócio não admite a situação. “É o típico problema que é discutido na mesa do jantar, e não na empresa”, alerta o professor. Jacomassi avalia que as empresas ainda não “acordaram” para este grande desafio, e acredita que elas devem pensar cada vez mais em profissionalização. “Elas devem atentar para os coachs voltados para cada área técnica da empresa. E eles também trabalharão o lado emocional dos funcionários”, alertou.

Na opinião da professora Anna, não se estabelecem processos de médio prazo para que os sucessores sejam preparados para a gestão empresarial.

E o “medo” que muitos patriarcas têm de delegar o poder deve acabar, e o líder deve aprender a dar mais autonomia aos funcionários, sejam eles da família ou não. Para ela, a falta de respeito profissional é um dos principais problemas das empresas familiares, hoje.

Para o adm. Marcel Maués, que atuou na Secretaria de Micro e Pequenas Empresas da Presidência da República e é empresário há doze anos, este conflito de interesses é o grande problema das empresas familiares, atualmente, além da mistura dos interesses. “A disputa de poder, principalmente daqueles que têm o poder decisório, é um grande desafio, além da não identificação da capacidade técnica dos membros”, avalia.

SOBREVIVÊNCIA

Algumas pessoas podem não lembrar, mas as maiores empresas do país, como Odebrecht, Itaú, WalMart, entre outras, são familiares. Para sobreviver, certamente estas empresas que têm anos de funcionamento e de sucesso têm uma visão diferenciada do mercado. E, obviamente, devem também sempre tomar atitudes que as sustentem cada vez melhor.

Um dos grandes problemas apontados pelos especialistas e que afetam os negócios familiares é a falta de planejamento. Um levantamento feito pela Revista Exame no ano de 2016 apontou que 80% das empresas familiares não investem em planejamento estratégico. Por ser mais informal, talvez este modelo de negócios caia nessa “armadilha”. “As relações são informais e os planejamentos, de um modo geral, são formais. Por isso que muitas vezes eles não estão presentes nas empresas familiares”, avalia o professor Edélcio Jacomassi.

Na opinião do adm. Francisco Matos, de nada vale ter planejamento estratégico se não tiver pensamento estratégico, baseado em análises, discussões, acordos e compromissos mútuos. Ele alerta também para a educação, aliada à vivência e à convivência que, juntas, convergem para um único ponto: o sucesso. “A educação está na essência e na dinâmica natural da relação líder-liderados, formando a cultura da liderança. Pela educação vivenciada se ganha maturidade para o exercício do perfil líder-todos”, alerta o administrador. Ele também lembra que este processo de aprendizado é contínuo: todos são educadores e educandos ao mesmo tempo.

Para o administrador Marcel Maués, é necessário mapear os recursos e aplicá-los na governança da empresa, o que vai impactar positivamente na sucessão. Ele explica que quando você define bem as peças envolvidas, consegue apontar melhor as pessoas que irão executar com sucesso esta ou aquela tarefa dentro da empresa.

Criar um Conselho de Administração dentro da empresa, para amenizar as relações entre família e funcionários, também pode ser uma boa opção para a “sobrevivência” deste tipo de negócio. Como explica o professor Edélcio, com a existência do Conselho, os sucessores podem continuar opinando, definindo as ações estratégicas da empresa, mas a parte técnica é assumida por outros profissionais – com competência para isso, claro.

DINHEIRO, CONFIANÇA E CRISE

Quando se fala em empresa familiar, um dos grandes dilemas é manter as relações familiares e empresariais separadas. E isso inclui a parte financeira, muito importante no bom andamento dos negócios. Em muitas empresas familiares, como existem as duas relações, naturalmente o “caixa” também passa a se misturar, o que pode acender o sinal de alerta. Como diz o professor Jacomassi, o correto seria primeiro construir para depois dividir, o que muitas vezes não acontece num negócio familiar. Em contrapartida, ele lembra que estas empresas preservam melhor a herança.

Outra vantagem de trabalhar em uma empresa familiar é, para Janete (que atua na Empalux), o ambiente acolhedor. “Em uma multinacional você se sente somente um número, o que não acontece na familiar”, comenta. Ela diz que é muito comum na Empalux haver celebrações entre os funcionários, embora a maior parte deles não seja da família, mas todos são considerados como se fossem.

O adm. Marcel Maués lembra que isto acontece muito nas duas primeiras gerações, sendo o zelo, a confiança e o envolvimento com a empresa muito maiores entre os funcionários. Porém, ele lembra que a valorização dos funcionários, seja emocional ou tecnicamente, vai depender da cultura organizacional da empresa, independentemente de ela seguir o modelo familiar ou não.

Em tempos de crise, seja a empresa familiar ou não, a tendência é sempre procurar inovação para sair do sufoco. Como lembra Janete, “em tempos difíceis, pessoas e empresas se tornam mais fortes”. Para Maués, é em tempos de crise que se identificam grandes oportunidades. “É por isso que é tão importante a profissionalização. Nestes momentos de crise, se há empreendedores nas empresas, eles vão buscar oportunidades”, analisa o administrador.

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