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Quitting ou Firing? O que é possível esperar do mercado

Aumento da prática, sobretudo, durante a pandemia provocou reação do mercado de trabalho e já molda nova configuração do que está por vir

Por Leon Santos

Considerada uma resposta do mercado de trabalho ao quiet quitting (do inglês, “renúncia silenciosa”), uma nova prática tem chamado atenção dos profissionais, em geral, e, sobretudo, dos consultores de recursos humanos: o quiet firing (demissão silenciosa). Enquanto no primeiro fenômeno o colaborador entrega apenas a quantidade de trabalho necessária para permanecer no emprego, ao evitar grandes esforços; do outro lado, no quiet firing são criadas situações para que o funcionário peça demissão ou quando de fato ele é demitido.

Segundo o doutor em administração e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ) Américo da Costa, o quiet quitting é por vezes encarado pelo mercado como preguiça ou oportunismo exercido pelo colaborador. Porém, ele explica que o fenômeno pode estar atrelado a questões muito mais profundas, tais como não concordar com ações da empresa (excessivas cargas laborais seriam um exemplo) e tentativa de equilibrar o trabalho com outros espaços da vida.

O administrador explica que além de representar a demissão praticada de forma lenta e silenciosa (aos poucos as funções são tiradas do colaborador), o quiet firing também é caracterizado por ações (da empresa e de seus gestores) que fazem o profissional se sentir tolhido, isolado de outros colegas e sem função. O objetivo é forçar o próprio empregado a pedir demissão e, com isso, evitar custos trabalhistas, bem como passar uma mensagem intimidadora aos colaboradores que permanecem na empresa.

Costa explica que demissão silenciosa também se manifesta na forma de avaliações negativas de desempenho, na falta de comunicação gerencial, no preterimento de oportunidades e má vontade no tratamento dado ao colaborador. Pode estar associado, ainda, a atos discriminatórios como o etarismo (preconceito contra profissionais considerados idosos), ao imputar a imagem de que o funcionário com mais idade estaria obsoleto em relação às práticas e habilidades exigidas pela empresa e pelo mercado.

“O quiet firing pode ser encarado como uma reação da organização em um contexto tóxico de relacionamento entre gerentes e gerenciados, com tentativas de manipulações nos dois sentidos. Porém, tem sido mais associado a uma falta de coragem do gestor em assumir seu papel de liderança e não enfrentar os conflitos cara a cara”, avalia.

Causas

De acordo com Ana Carvalho, administradora-doutora e professora nas universidades Estácio de Sá, Veiga de Almeida e Jean Piaget (de Cabo Verde), para entender o quiet firing é preciso conhecer as motivações que eclodiram no movimento quiet quitting (renúncia silenciosa). Ela conta que pesquisas de instituições como Gallup, Robert Walters e Valor Econômico ilustram bem a questão.

Nos EUA, um a cada dois norte-americanos e, no Canadá, 45% dos jovens se sentem desengajados, por considerarem que trabalham mais do que está no contrato de trabalho e não veem retorno do esforço praticado a mais. No Brasil, pesquisa do jornal Valor Econômico (de 2023) mostra que 70% da força de trabalho do país apresenta o mesmo sinal.

A professora explica que no âmbito da  administração tal prática está atrelada ao conceito de ‘mais-valia’, que é caracterizada pela disparidade entre o salário pago e o valor gerado por determinado trabalho. Ela diz que quando o colaborador percebe que seu esforço a mais não está sendo pago pelo que realmente vale, ou seja, quando ele gera valor para a organização e não foi remunerado e nem valorizado, ocorre a principal razão para o quiet quitting.

“Isso não é puramente uma ação e sim uma reação às antigas promessas de crescimento, desenvolvimento e acolhimento, anteriores à contratação. Muitas organizações ao perceberem um profissional de relevo ou valor, para não o perderem, estabelecem promessas de um ambiente dinâmico, produtivo e próspero de trabalho, o que na prática nem sempre se configura como tal”, esclarece.

Consequências

Para a administradora, ao adotar a demissão silenciosa a empresa poderá cometer algo que o mercado de recursos humanos não perdoa: a imagem de uma organização que não valoriza seu maior ativo, as pessoas. Além disso, a reputação da empresa pode ser bastante desgastada, de um dia para outro, caso sejam postadas na internet informações que comprovem algum tipo de atitude antiética ou até mesmo de assédio moral.

“Atualmente nem é tão difícil, ou raro, uma organização que pratica uma atitude descrita como antiética, abusiva, tóxica, ou discriminatória no ambiente de trabalho ser descoberta. Se for configurado assédio moral, essa prática certamente causará muitos danos — tanto por questões jurídicas quanto em relação à imagem da organização no mercado de trabalho”, avalia a professora.

O administrador e pesquisador Américo da Costa concorda com a colega e lembra que a atual cultura do “cancelamento” pode prejudicar sobremaneira tanto pessoas quanto empresas. Ele destaca que se a prática do fato ocorre, e não é ato isolado, o embaraço na instância corporativa costuma ser inevitável e inerente.

“Se uma organização ‘cair na rede’ (internet) por práticas como ‘quiet firing’, isso gera prejuízos enormes à imagem corporativa em todos os aspectos. É tão nocivo quanto notícias de destruição ambiental, práticas análogas à escravidão, racismo, etarismo, homofobia, entre outras”, sentencia.

Essa é uma matéria da RBA ed. 153 – publicação do Conselho Federal de Administração (CFA).